segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Malabares


Atrasada para o aniversário surpresa da minha melhor amiga, eu pisava no acelerador do meu carro pela rua Estados Unidos. Próximo ao farol da Av. Rebouças dei uma super pisada no freio pra não matar um cara, e me atrasar mais ainda limpando o sangue no pára-brisa.
Ele levantou as mãos pro alto como se estivesse sendo assaltado por mim, encolheu a quase nenhuma barriga, fez um biquinho do tipo “opa!” e ainda foi capaz de sorrir da sua quase morte súbita. Os brigadeiros foram parar todos no chão do carro.
Eu liguei o pisca alerta com a minha boca aberta de susto e olhos arregalados, desci o vidro do carro e disparei num fôlego só:
-Moço! Pelo amor de Deus de onde você surgiu?! Meu Jesus Cristo, que perigo! Que bom que não aconteceu nada ( os outros carros me ultrapassavam e eu falava com ele da janela) você está bem? Por Shiva! Meu pai do céu, senhor protetor obrigada por tê-lo protegido, hein moço, tá bem você? Ahn? Ce tá bem, por Jeová, fala alguma coisa!
- Viva el sincretismo de Brasil !
- Nossa moço que bom que não te matei, nem te machuquei. ( respiro) E vce não sabe o que está falando, os evangélicos estão dominando este país. Poxa vida...( o vejo melhor) Nossa, você é bonito hein? ( os carros desviavam e passavam o farol, eu focava os olhos nele pra ver melhor quem eu quase houvera matado)
Caramba, você é realmente bonito mesmo!
- E você é míope!
-Não! Eu enxergo bem! Eu enxergo super bem! Você que apareceu do nada, por entre a fila de carros, ( a essa hora eu já havia notado que ele tinha quatro claves de malabares nas mãos) Você é mágico ou só malabarista?
-hahaha! Faço mágica também! Se você tivesse passado por cima de mim eu faria uma mágica e apareceria vivo por de trás do automóvel.
Ele usava uma camisa azul clara com detalhes de triângulos pretos, uma bermuda comprida cáqui, meias coloridas até a canela, um tennis igualmente divertido, barba, olhos castanhos escuros, cabelos compridos.
Que bom que estava vivo, que respirava e ainda sorria.
- Pode fechar a boca moça, o susto já passou.
- Ah ! Desculpe. ( recolho o queixo) Poxa vida, voce fala tudo que meu ex-namorado falava! Que eu sou míope, que eu mantenho a boca aberta... Poxa vce é bonito mesmo, eu estou feliz de não tê-lo matado... como é seu nome moço?
- Estefan.
- Estefan. Legal. Entra no carro Estefan.
- hahaha! Acabou a tua pressa? Tava tão apressadinha acelerando.
-Pelo contrário a pressa aumentou, entra Estefan. Entra aqui no carro, querido. - destravo a porta pra ele entrar, os carros continuam desviando de nós - Olha graças a esse susto que você me deu, a inércia derrubou os brigadeiros, mas tudo bem eu recolho. - vou retirando tudo do acento pra ele se assentar ali ao meu lado.- Pronto. Pode entrar.
-Eu não vou entrar no seu quarto! ( diz isso meio gaguinho)
-No meu colo?
-No seu carro!
-No meu quarto voce disse.
- Não vou entrar aí.
-Aqui? Entra aqui. Vai entrar sim, entra, já destravei a porta. -
ele me olha, perplexo. - Entra Estefan, eu não posso ficar aqui parada o dia todo!
-Mas eu nem sei o seu nome!
- É Livia Estefan! Livia! Prestes! Agora entra! Rápido! Vamos sair juntos daqui eu e voce, eu tenho brigadeiros pra gente! E uma garrafa de saquê, o resto a Deus pertence, vamos dando um jeito na vida, no que der e vier pra nós.
- Mas, eu...
- Tenho camisinha também.
-Caramba...
- Que foi? Eu não sou bonita? Quer ver meus peitos?
-Não tira os peitos aqui na rua não!
-Tá, eu não tiro. Entra, e eu tiro pra fora num lugar mais reservado. Pra vce ver com calma.
- Mas moça voce tá necessitada nesse tanto?
-É Livia! Ok pode me chamar do que quiser, “moça”, tudo bem.
- Você quer transar comigo?
- Estefan, voce tem dúvida?
-Vce está brincando comigo?
-Vce é que deve estar, é vce que está com claves coloridas na mão!
-Fala sério.
-Tô falando sério Estefan. Vce já viu seu abdômen? - ele olha pra baixo. A camisa é um pouco curta.
- Quando vce levantou os braços assim, como se eu tivesse te assaltando...
- Vce quase me atropelou.
-Sim! Nessa hora... Eu a vi. Parece durinha. É linda. Deixa eu tocar?
-Não..
- Uma das mais bonitas que já vi em toda minha vida.
-Mas foi um solo segundo quase, muito rápido.
-Foi o "Un solo segundo quase" mais poético de toda minha vid... Espera. Vce é argentino? - ele não responde só me encara.- Entra no carro Estefan. Porque vce está hesitando! Está prejudicando minha auto-estima! Entra logo!
- Não sou fácil assim...
- Meu amor! Hoje voce renasceu, precisamos comemorar! Hoje eu renasci também, escapei de uma bem séria, graças a capacidade de contrção do seu abdômen! Se ele não tovesse se contraído tão bem, a essa hora eu já estaria ligando pro meu advogado.
-Mas não é pra tanto assim.
- Como não é? Voce é lindo, somos jovens, e eu sou bonita, voce não acha? Voce não acha?
- Acho. Voce é muito bonita, mas...
- Eu faço um monte de comercias na Tv sabia? Que signfica que eu estou dentro do padrão de beleza deste país.
- Sim, sem dúvida, voce é linda.
-Sou não sou?
-É.
- Obrigada.
( tempo) Então... Qual problema??
-É que eu não ligo pra essas coisas de beleza.
-Estefan porra! Eu sou inteligente também, sou atriz, vivo lendo, escrevo, falo várias línguas, poxa, confia em mim, entra em mim.
- Que loco, cara...
- Voce é argentino mesmo?
- Por que?
- VocE mudou o sotaque de repente.
-Eu não sou argentino.
- Então porque faz sotaque? Pra me conquistar? Pra fazer o tipo gringo viajante, Estefan? Em quantos outros carros vce se meteu na frente, hein? Querido eu posso amá-lo independente da sua nacionalidade, não precisa mentir pra mim...
-Minha namorada que é argentina. (silencio. Abro a boca de novo para mais uma enrtada golpe de ar, e meus olhos enchem de água,vou chorar) - Hey...Fica calma... não fica assim, não é pra ficar triste.
-Para de fazer sotaque argentino, para de imitar o jeito dela falar! (alterada)
- Calma moça!
-Porque voce perguntou meu nome se continua me chamando de moça ? Voce me chamava assim quando não sabia meu nome! Quando nos conhecemos! (chorosa revoltada)
- Mas o que é isso, não precisa se alterar desta maneira, não é o fim do mundo.
- ( suplico) Estefan! ( alcanço o braço dele com minha mão esquerda, a textura é ótima) Ela está na Argentina! Voce e eu estamos aqui, na Rua Estados Unidos, saca? Pra vê-la são horas e horas de viagem daqui! O destino fez voce cruzar meu caminho,
- O destino não, a sua pressa...
- Entra no meu quarto, ( corrijo) carro. E vamos resolver isso numa boa, vai ficar tudo bem, eu prometo, eu tenho camisinha, eu tenho a sua idade, e não sou nenhuma assassina.
-Por muito pouco não, voce não é.
-Então entra amorzinho, vai. Olha que dia lindo e frio que faz hoje. Entra amor. (tempo pra ele pensar)
-Livia,
-Oi, querido? Fala. Diga, diga, o que quiser. ( fofa amorosa)
- A minha namorada está cuspindo fogo ali olha: no farol da Rebouças. Não são horas de viagem de distância, mas poucos metros a pé.
(pasmo. Outro golpe de ar, vejo a gringa sarada de roupas coloridas cuspindo fogo pelos ares) - A sua boca abre mesmo quando voce precisa respirar né?
( praticamente chorando)- Chega Estefan! Pare de me iludir! Para de falar da minha boca!
- Livia... Bresser?
- Pare, já chega!
- Olha, voce ficou muito nervosa, tava correndo bastante, mas agora tá tudo bem. Quer que eu faça um malabares pra você ir na paz?
- Não! Desse tipo Não, não!
- Eu não posso, não quero e não vou sair daqui e ir transar com você. Lamento. Eu tenho namorada e ela está bem ali olhando pra cá.
- Eu já entendi. Eu já entendi.
- Fica bem?
- Hunf! Homens são todos iguais... Fico bem sim.
- Me dá um brigadeiro?
- Voce vai dar pra ela?
- Geralmente ela dá pra mim. ( sorri e dá uma piscadela, o filho da puta)

Dou dois brigadeiros na mão dele, travo a porra da porta e vou embora cantando pneu.

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