Atrasada
para o aniversário surpresa da minha melhor amiga, eu pisava no acelerador do
meu carro pela rua Estados Unidos. Próximo ao farol da Av. Rebouças dei uma
super pisada no freio pra não matar um cara, e me atrasar mais ainda limpando o
sangue no pára-brisa.
Ele
levantou as mãos pro alto como se estivesse sendo assaltado por mim, encolheu a
quase nenhuma barriga, fez um biquinho do tipo “opa!” e ainda foi capaz de
sorrir da sua quase morte súbita. Os brigadeiros foram parar todos no chão do
carro.
Eu liguei
o pisca alerta com a minha boca aberta de susto e olhos arregalados, desci o
vidro do carro e disparei num fôlego só:
-Moço!
Pelo amor de Deus de onde você surgiu?! Meu Jesus Cristo, que perigo! Que bom
que não aconteceu nada ( os outros carros me ultrapassavam e eu falava com ele
da janela) você está bem? Por Shiva! Meu pai do céu, senhor protetor obrigada
por tê-lo protegido, hein moço, tá bem você? Ahn? Ce tá bem, por Jeová, fala
alguma coisa!
- Viva el
sincretismo de Brasil !
- Nossa
moço que bom que não te matei, nem te machuquei. ( respiro) E vce não sabe o
que está falando, os evangélicos estão dominando este país. Poxa vida...( o
vejo melhor) Nossa, você é bonito hein? ( os carros desviavam e passavam o
farol, eu focava os olhos nele pra ver melhor quem eu quase houvera matado)
Caramba,
você é realmente bonito mesmo!
- E você
é míope!
-Não! Eu
enxergo bem! Eu enxergo super bem! Você que apareceu do nada, por entre a fila
de carros, ( a essa hora eu já havia notado que ele tinha quatro claves de
malabares nas mãos) Você é mágico ou só malabarista?
-hahaha!
Faço mágica também! Se você tivesse passado por cima de mim eu faria uma mágica
e apareceria vivo por de trás do automóvel.
Ele usava
uma camisa azul clara com detalhes de triângulos pretos, uma bermuda comprida
cáqui, meias coloridas até a canela, um tennis igualmente divertido, barba,
olhos castanhos escuros, cabelos compridos.
Que bom
que estava vivo, que respirava e ainda sorria.
- Pode
fechar a boca moça, o susto já passou.
- Ah !
Desculpe. ( recolho o queixo) Poxa vida, voce fala tudo que meu ex-namorado
falava! Que eu sou míope, que eu mantenho a boca aberta... Poxa vce é bonito
mesmo, eu estou feliz de não tê-lo matado... como é seu nome moço?
-
Estefan.
-
Estefan. Legal. Entra no carro Estefan.
- hahaha!
Acabou a tua pressa? Tava tão apressadinha acelerando.
-Pelo
contrário a pressa aumentou, entra Estefan. Entra aqui no carro, querido. -
destravo a porta pra ele entrar, os carros continuam desviando de nós - Olha
graças a esse susto que você me deu, a inércia derrubou os brigadeiros, mas
tudo bem eu recolho. - vou retirando tudo do acento pra ele se assentar ali ao
meu lado.- Pronto. Pode entrar.
-Eu não
vou entrar no seu quarto! ( diz isso meio gaguinho)
-No meu
colo?
-No seu
carro!
-No meu
quarto voce disse.
- Não vou
entrar aí.
-Aqui?
Entra aqui. Vai entrar sim, entra, já destravei a porta. -
ele me
olha, perplexo. - Entra Estefan, eu não posso ficar aqui parada o dia todo!
-Mas eu
nem sei o seu nome!
- É Livia
Estefan! Livia! Prestes! Agora entra! Rápido! Vamos sair juntos daqui eu e
voce, eu tenho brigadeiros pra gente! E uma garrafa de saquê, o resto a Deus
pertence, vamos dando um jeito na vida, no que der e vier pra nós.
- Mas,
eu...
- Tenho
camisinha também.
-Caramba...
- Que
foi? Eu não sou bonita? Quer ver meus peitos?
-Não tira
os peitos aqui na rua não!
-Tá, eu
não tiro. Entra, e eu tiro pra fora num lugar mais reservado. Pra vce ver com
calma.
- Mas
moça voce tá necessitada nesse tanto?
-É Livia!
Ok pode me chamar do que quiser, “moça”, tudo bem.
- Você
quer transar comigo?
-
Estefan, voce tem dúvida?
-Vce está
brincando comigo?
-Vce é
que deve estar, é vce que está com claves coloridas na mão!
-Fala
sério.
-Tô
falando sério Estefan. Vce já viu seu abdômen? - ele olha pra baixo. A camisa é
um pouco curta.
- Quando
vce levantou os braços assim, como se eu tivesse te assaltando...
- Vce
quase me atropelou.
-Sim!
Nessa hora... Eu a vi. Parece durinha. É linda. Deixa eu tocar?
-Não..
- Uma das
mais bonitas que já vi em toda minha vida.
-Mas foi
um solo segundo quase, muito rápido.
-Foi o
"Un solo segundo quase" mais poético de toda minha vid... Espera. Vce
é argentino? - ele não responde só me encara.- Entra no carro Estefan. Porque
vce está hesitando! Está prejudicando minha auto-estima! Entra logo!
- Não sou
fácil assim...
- Meu
amor! Hoje voce renasceu, precisamos comemorar! Hoje eu renasci também, escapei
de uma bem séria, graças a capacidade de contrção do seu abdômen! Se ele não tovesse
se contraído tão bem, a essa hora eu já estaria ligando pro meu advogado.
-Mas não
é pra tanto assim.
- Como
não é? Voce é lindo, somos jovens, e eu sou bonita, voce não acha? Voce não
acha?
- Acho.
Voce é muito bonita, mas...
- Eu faço
um monte de comercias na Tv sabia? Que signfica que eu estou dentro do padrão
de beleza deste país.
- Sim,
sem dúvida, voce é linda.
-Sou não
sou?
-É.
-
Obrigada.
( tempo)
Então... Qual problema??
-É que eu
não ligo pra essas coisas de beleza.
-Estefan
porra! Eu sou inteligente também, sou atriz, vivo lendo, escrevo, falo várias
línguas, poxa, confia em mim, entra em mim.
- Que
loco, cara...
- Voce é
argentino mesmo?
- Por
que?
- VocE
mudou o sotaque de repente.
-Eu não
sou argentino.
- Então
porque faz sotaque? Pra me conquistar? Pra fazer o tipo gringo viajante,
Estefan? Em quantos outros carros vce se meteu na frente, hein? Querido eu
posso amá-lo independente da sua nacionalidade, não precisa mentir pra mim...
-Minha
namorada que é argentina. (silencio. Abro a boca de novo para mais uma enrtada
golpe de ar, e meus olhos enchem de água,vou chorar) - Hey...Fica calma... não
fica assim, não é pra ficar triste.
-Para de
fazer sotaque argentino, para de imitar o jeito dela falar! (alterada)
- Calma
moça!
-Porque
voce perguntou meu nome se continua me chamando de moça ? Voce me chamava assim
quando não sabia meu nome! Quando nos conhecemos! (chorosa revoltada)
- Mas o
que é isso, não precisa se alterar desta maneira, não é o fim do mundo.
- (
suplico) Estefan! ( alcanço o braço dele com minha mão esquerda, a textura é
ótima) Ela está na Argentina! Voce e eu estamos aqui, na Rua Estados Unidos,
saca? Pra vê-la são horas e horas de viagem daqui! O destino fez voce cruzar
meu caminho,
- O
destino não, a sua pressa...
- Entra no
meu quarto, ( corrijo) carro. E vamos resolver isso numa boa, vai ficar tudo
bem, eu prometo, eu tenho camisinha, eu tenho a sua idade, e não sou nenhuma
assassina.
-Por
muito pouco não, voce não é.
-Então
entra amorzinho, vai. Olha que dia lindo e frio que faz hoje. Entra amor.
(tempo pra ele pensar)
-Livia,
-Oi,
querido? Fala. Diga, diga, o que quiser. ( fofa amorosa)
- A minha
namorada está cuspindo fogo ali olha: no farol da Rebouças. Não são horas de
viagem de distância, mas poucos metros a pé.
(pasmo.
Outro golpe de ar, vejo a gringa sarada de roupas coloridas cuspindo fogo pelos
ares) - A sua boca abre mesmo quando voce precisa respirar né?
(
praticamente chorando)- Chega Estefan! Pare de me iludir! Para de falar da
minha boca!
-
Livia... Bresser?
- Pare,
já chega!
- Olha,
voce ficou muito nervosa, tava correndo bastante, mas agora tá tudo bem. Quer
que eu faça um malabares pra você ir na paz?
- Não!
Desse tipo Não, não!
- Eu não
posso, não quero e não vou sair daqui e ir transar com você. Lamento. Eu tenho
namorada e ela está bem ali olhando pra cá.
- Eu já
entendi. Eu já entendi.
- Fica
bem?
- Hunf!
Homens são todos iguais... Fico bem sim.
- Me dá
um brigadeiro?
- Voce
vai dar pra ela?
-
Geralmente ela dá pra mim. ( sorri e dá uma piscadela, o filho da puta)
Dou dois
brigadeiros na mão dele, travo a porra da porta e vou embora cantando pneu.
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