Havía
três meses que eu nao dava. Um recorde em minha carreira sexual. Me sentia numa
espécie de estado medidativo.
Porém,
ainda tinha pesadelos com o ex. As vezes mandava e-mails e mensagens noturnas
pra ele, ainda chorava antes de dormir, ou seja, não estava totalmente
recuperarada. Mas muito orgulhosa dos 3 meses de celibato. Uma marca. Uma
mulher moderna, quase totalmente segura, independente. É preciso saber ficar
sem dar, e eu estava indo bem.
Não sei
bem de onde tirei esse conceito “é preciso ficar sem dar” mas andava
acreditando nele. Por não estar dando, minha vida parecia estar dando mais
certo.
Mudei de
casa, tenho plantas, cachorro, gato e um vizinho fenomenal. O vizinho tem me
mantido distraída, coloco no despertador nos horários que ele vai estender
roupa sem camisa no quintal dele e passo bem na hora pra bater papo.
Ele
também tem uma árvore de limão. Somos bons vizinhos, já pedi açucar outro dia,
tudo muito normal, amistoso e respeitoso. Acho genial essa coisa de não ser
possível ler pensamentos, assim posso pensar e visualizer o que eu quiser. Não
é maravilhoso?
Eu não
como açucar então passei a pedir pra pegar limões na árvore do quintal dele. As
vezes ele me ajuda a alcançar um limão mais difïcil, lá no alto, com a ajuda de
um pau grande que ele tem.
Fim de
tarde passei pela feira, passei somente pra cortar caminho. Me apressava a fim
de chegar em casa a tempo de fazer uma limonada grátis. Essa feira já estava no
fim, os feirantes, a estavam desmontando, carregando os caminhōes com caixotes
e peças de madeira.
De longe
eu vejo ele. Ele quem? Um ilustre desconhecido. Uma figura masculina que me
chamou atenção de bem longe, uns cinquenta , cem metros. Em meio a sujeira e a
bagunça que é o cenário do final de uma feira, sem óculos eu foquei nele como
uma águia. Fui indo até onde ele estava sem querer, como um imã.
Oque é
oque é? Um pontinho vermelho no meio de uma feira? Ele não era vermelho, mas
emergiu pelo meu olhar daquele caos, como se estivesse grifado numa bíblia em
marca texto amarelo fluorescente.
Eu estava
sem óculos, fui apertando os olhos na tentativa de um zoom-in no rapaz, contra
a luz do sol. Isso enquanto andava instintivamente em linha reta na direção
dele.
Ainda não
dava pra ver se era homem, moleque, transsexual, são paulino, petista. Com o
olhar fixo eu simplesmente obedeci meu corpo que caminhava até ele com ainda
muito pouca informação visual.
Ele
estava com uma camiseta preta dos Rolling Stones, a língua clássica, jeans e
tennis. Aproximo mais. Tem barba bonita, cheia, deve ser mais alto que eu. É
bem forte, concluo, pois carregou uma madeira de balcão de feira enorme
sozinho.
Tem bom
humor. Pois falou alguma coisa pros caras do caminhão e eles racharam o bico.
Putz! Ele sorriu de volta. Puta sorriso lindo, mas foi sorte, porque bateu uma
luz do sol de frente no rosto, bem na hora em que ele sorriu, pareceu ser
reflexo do retrovisor do caminhão.
Mais
passos perto e vejo que tem cabelos castanho claro, bagunçados, é do tipo
desencanado. Ou só é descabelado, e curte os anos 70. Suspirou, está cansando
um pouco. Tem sobrancelhas grossas, quase unidas, um rosto grande. A mão é bem
grande. É um cara grande.
Não deve
ser fácil carregar tantas caixas mesmo sendo forte e grande, penso. Puta merda!
Ele me viu. Pior: me viu vendo ele.
Neste
momento eu estava na esquina , no sol, de boca aberta olhando com cara de
imbecil, e agora, diretamente nos olhos verdes dele!
Ele faz
um movimento com as mãos, tipo estalando os dedos e começa a atravessar a rua!
Que movimento era aquele? Enquanto eu me perguntava, ele vinha até mim! Isso me
faz acordar do transe.
Começo a
correr! Saio desesperada na direção oposta e sumo entre os montes de lixo da
feira.
Uma
semana depois, eu juro por Jeová, Buda, a galera toda, que eu esqueci deste
episódio.
Não fazia
sentido pensar num feirante com caixas de fruta, tem uma árvore carregada aqui
ao lado, no vizinho. E ele era muito grande, eu tenho medo de homens grandes.
Caminho
tranquilamente pela feira porque ela é meu caminho, viro a direita para sair
dela e dou de cara com alguém. Foco em quem é que impede meu caminho, tem sol
no meu rosto ( é uma feira ensolarada), então o reconheço, é ele. O feirante.
Hoje veio de camiseta dos Ramones, ele gosta de rock.
- Oi. –
diz ele.
- Olá. –
sou educada.
- Como
você chama?
- Ah
não…- é só isso que disse “Ah não”e saí andando rápido. Evitando olhar pra
trás, em linha reta, percebendo que ele, para meu horror, vinha junto!
- Anão?
Imagine, você é bem alta. - puta humor idiota, nada a ver dizer isso.
- Hey
espere! Eu não tenho culpa de você amar o Adriano! - neste momento eu gelo, da
cabeça aos pés em segundos. Tava sol mas eu senti frio. De que porra de Adriano
ele estava falando? Meu queixo foi caindo ( meu queixo sempre cai) e eu fiquei
parada, estática, quase sem respirar. Minha vista escurece, meus olhos
apertaram.
- Acertei
o nome dele, assim em cheio?
- Não
conheço nenhum Adriano. - respondi séria, me recuperando do choque.
- Então
como chama? César? Cláudio? Júlio, Alexandre, Marco, Antonino? Hahahah!- ele
estava rindo da minha cara…
- Do que
vce está rindo? E quem é vce?
- Hahaha!
Da sua cara, é engraçada. Eu me chamo… antes de dizer – ele faz mistério e fala
rindo- me diz, eu realmente acertei?
- Acertou
oque?
- O nome
dele.
- Não.
- Nenhum
deles?
- Não.
- Mas eu
me pareço com algum deles, isso é certeza, pela sua cara. Não pareço?
- Não!
Não parece.
- Fala a
verdade, eu acertei o nome de prima não foi?
- Não.
- Ele
parece muito comigo? Tsc… eu sou um cara mó comum…
- Ele não
é comum.- falo e me arrependo imeditamente.
- O
Adriano?
- Não. –
nunca a palavra “não” me veio tanto a boca. Parecia meu sobrinho aos dois anos
quando a aprendeu.
- Você
ainda o ama?
- Não.
- Você me
confundiu com ele aquele dia, não foi?
- Claro
que não - precisava variar um pouco a resposta.
- O que é
nele tão parecido comigo, a barba?
- Não. –
eu insistia na falta de vocabulário. Eu queria ir, mas algo me fazia ficar. Ele
dá uma relaxada, passa alguns segundos e eu não saio dali, estou paralizada.
Ele diz tipo puxando assunto:
- Hoje em
dia todo cara tem barba né? Já sacou? Eu sempre tive. Eu li que mulher quer ser
sempre magra e bonita assim que nem você, já o homem quer parecer visualmente
que tem poder. Grana mesmo sabe? No nosso país o presidente ou o cara mais
poderoso dele, é barbudo. Então incoscientemente todos os caras começaram a
deixar a barba crescer. Pra parecerem poderosos.
Eu só
pensava do que ele poderia estar falando, e porque falava comigo? Oque está
acontecendo? Dou umas respiradas e saio andando devagar e ele grita:
-Nossa,
você é chata! Foi por issso que o Adriano te deixou! Não sabe nem conversar e
parece meio louca.
Close em
meu rosto. Eu já estava de costas mas ouvi bem o que ele disse. Viro o corpo e
ele está lá parado vendo o efeito do que falou.
- Como
você chama?- intimo inquisidora
- Agora
quer saber?
- Não.
Sim!
- Não vou
dizer.
- Vai
sim!
- Meu
nome é um dos imperadores romanos que te falei. - ( oi?)
- Não
importa! Ouça bem: o “Adriano” não me deixou. Eu o deixei me deixar, sabe por
que?
- Não,
mas posso imaginar.
- Porque
eu olho pela janela!
- Oque?
- Eu olho
pela janela! Do carro, da casa, do quarto, que nem a música da Adriana
Calcanhoto, eu olho um homem desconhecido na feira! Mas é porque eu gosto de
olhar para as pessoas, só por isso!
- Sei.
- Eu não
quero dar pra voce, nem te conhecer!
- Que
arrogante!
- Nem
saber seu nome, eu só estava olhando uma pessoa trabalhar!
- Uma
pessoa trabalhar…
- Uma
cena bonita de um homem … bonito…
-
Obrigado.
- …
carregando um caminhão de feira com vários outros!
- Certo.
- E eu
não posso olhar! Porque se eu estivesse com o “Adriano” ele ia dizer “Olha pra
mim, pra baixo, pra dentro de voce mesma, mas não pra outros homens.”
-
Machista esse cara.
- Todos
vces são machistas! Essa conversa é machista!
- Você
deixava ele olhar outras mulheres?
- Não é
essa a questão!
- E qual
é?
- Eu não
posso andar numa feira sozinha em paz, nenhuma mulher pode! Todos os homens,
feirantes como você vão dizer as coisas mais absurdas pra gente.
Mesmo que
seja 8 horas da manhã, mesmo que seja inverno, e eu tenha blusas e casacos de
frio até o pescoço, anel de casada no dedo, vão me olhar, comentar, evocar, e
classificar a minha bunda por exemplo, em alto e bom som. Fazer piadinhas,
falar coisinhas pra me provocar…Enquanto que eu, mulher, não posso nem
simplesmente olhar pra voce carregando uma caixa de limões.
-
Laranjas.
- Eu ando
pensando muito em limão.
- Por
que?
-
Esquece. O que eu quero dizer, é que só porque eu te olhei! Você já tá achando
que eu quero dar pra voce!
- Voce
não só olhou. Encarou, bastante. E depois deixou o queixo cair.
- Você não
percebe? Não tenho que me desculpar por ter o buco maxilar relaxado! Assim como
nenhuma mulher tem que se desculpar ao namorado por ter quadris exorbitantes,
ou seios grandes, e roupas que os marcam, entende?
-
Entendi.
- Não,
não, não. Não entendeu! Você NUNCA vai entender.
- Tá me
chamando de idiota?
- Não,
não.
- Vai
começar a segunda bateria de “nãos”?
- …
- Moça eu
entendi. Voce é feminista.
- Não!
- Ou
muito arrogante de achar que todo mundo quer te comer. Eu só queria conversar.
Aquele lance dos presidentes e da estética masculina mesmo. Ainda ia falar do
Kenedy. Falar de limão já que tem pensado tanto nisso ultimamente, nada de
mais.
- Ah é?
Quer falar de estética masculina. Discutir o preço do limão. Comigo uma
desconhecida.
- Ué e
voce gosta de olhar um desconhecido trabalhar.
- Voce
trabalha na rua e a rua é pública.
- Voce
parece uma criança de dois anos argumentando. O Adriano não vai voltar pra
voce. Voce é muito chata. Não compreende o lugar do outro, só se baseia em
voce.
Vira as
costas e sai. Eu grito:
-Hey!
Voce não parece o “Adriano”. Você parece o Shrek!
Faço
leitura labial ele está me chamando de cri-an-ça-in-fan-til.
-Seu,
seu… redundante!
-
E você é arrogante demais. Ah, saiba que eu nunca mexi com as clientes da
feira. Nunca. Sua rotuladora, preconceituosas. Mas se fosse mexer, não seria
com uma magricela esquisita que nem voce. Voce parece a girafa de Madagascar!