Eram três belas mulheres cada uma bem
diferente da outra.
Uma morena de cabelos cacheados, traços finos,
mais romântica, Lili.
Uma matrona italiana de seios fartos, loira de
olhos azuis, Clau.
E uma quase ruiva de cabelos curtos e fortes,
olhos grandes expressivos, Mel.
As três passeavam pela vila Madalena.
-Levamos guarda-chuva? – pergunta Mel.
-Não, está apenas chuviscando. É bom se molhar
um pouquinho- responde Lili.
- Também gosto de me molhar. E Nem
estamos usando branco pode chover, tá um calor... - completa Clau.
-É março. – lembra Lili
- É março. – constatam todas.
Sem se preocuparem com a chuva, saíram a esmo a fim de... a
fim.
Entram em vários lugares, galerias de arte, exposição de
fotos, almoçam num restaurante que era venda, quintal e biblioteca.
-
A Vila Madalena é mesmo uma delícia né? ( Clau)
-
Uma delícia. ( suspira Mel)
Depois do almoço, caminham pelas ruas sentindo a alternância
de golpes de chuva e garoa paulistana. Trovoadas
e relâmpagos acontecem. Não incomodam a Lili, talvez um pouco a Mel e Clau.
Mel - Precisamos de um doce.
Lili- Lisérgico?
Clau- De um bolo com recheio e cobertura
pra colorir o dia.
Lili- Colorir o céu cinza...
Clau- Como em Londres a maioria das pessoas aqui
veste preto. ( observa)
Mel- Aqui na vila até que vestem cor. (discorda)
Lili- Cores de domingo. E chuva, chuva...
(devaneia)
Mel- Hoje é domingo?
Todas- É março.
Clau- Onde tem uma doceria... (buscando)
Lili- Um
doce e um café. (também busca)
Mel- Vamos pra Barcelona. ( ordena com olhos
grandes vendo a loja)
Clau- Agora?
Mel- Já!
Entram numa chocolateria chamada Barcelona
alguma coisa, a procura do açúcar pós
almoço. Lili resiste em entrar:
-
Gente, essa loja é muito cara.
-
Clau e Mel- E daí? Só vamos olhar.
A
loja é de quitutes de cacau. O moço negro logo nos recebe. O cheiro do ambiente
envolve fortemente. Vários tipos de chocolate com diferentes porcentagens de
cacau. Aquele homem era lindo. Da cor exata de um dos chocolates da vitrine.
Tinham várias tonalidades, o moço parecia ser ao leite. Ele explica cada bombom
da vitrine com um sorriso, uma voz grossa, grave. Com sua mão enorme ele pega
uma pequena pazinha, colhe uma porção de
chocolatinhos e oferece a Lili.
- Não, obrigada, é muito caro.
-Não se preocupe. ( seco) Pode degustar.
Lili
vai se aproximando com a mão dela a mãozona dele onde estão a pazinha de prata
que acolhe os mini chocolatinhos para pegar um. Nesse movimento ele breca a mão
dela no ar.
-Você roe as unhas?
-Sim.
- Não seja tão ansiosa... - aconselha e
solta a mão de Lili que agora menos tensa, finalmente alcança um chocolatinho e
olha pra ele.
- Põe na boca. – ordena ele. - Não mastiga.
Respira. Deixe- o derreter.
Lili vai obedecendo
lentamente. Até acontecer com ela o que acontece com algumas mulheres quando
comem chocolate. Êxtase.
-
Hahahaha! ( ri satisfeito) E olha que esse aí é
só 60% cacau.- diz ele sarcástico e agora também mais leve.
As amigas que assistem a tudo atentas, demonstram também querer.
-
Ah vocês também querem, né?- diz aquele homem
negro lindíssimo.
( elas fazem que sim)
-
Querem mesmo? - e as encara, elas fazem que sim.
– Pois não vão ter. Vocês disseram que só iam olhar.
-
Não dissemos nada! - retruca Mel indignada.
-
Disseram sim, no começo do conto antes de entrar
na loja, a poucos parágrafos acima. ( Mel olha pra cima frustrada)
Vem dos fundos o outro atendente,
caminhando com a maior calma do mundo.
-
Boa tarde. – Todas respondem menos Lili que ainda
tem o dedo na boca e observa tudo como se o que houvera provado fosse haxixe em
vez de chocolate.
-
Boa tarde!- respondem as duas.
O segundo atendente é branco,
barba cor de laranja, mesmo uniforme do homem negro, tão alto e forte quanto
ele. Ele traz uma barra semelhante a ele
de chocolate branco com rosas. Chega perto e dá um tapa nas costas do colega
negro. Tapa esse que acorda Lili que agora volta a atenção a cena.
-
Deixa que eu continuo o atendimento com essas
daqui.- encara Mel e Clau, que sorriem satisfeitas em expectativa.
-
Que dia é
hoje? ( ele pergunta)
-
É março. diz
Mel.
-
Perguntei o dia.
-
Sábado! responde Clau.
-
Sábado.
Vocês sabiam que o rei Asteca Montezuma, tinha uma bebida feita de cacau, que o
encantava, ele entrava em transe com ela em rituais religiosos?
-
Clau- Não eram os vickings?
-
Eram os astecas.
-
Clau- Ok.
Ele
serve dois copinhos de cristal com a bebida achocolatada para as meninas
provarem. Elas provam.
-
Nossa, mas não é doce.
-
Toma junto com esse doce.- e dá um doce pra ela.
-
Ah, esse sim é tão doce. Mmmmm!
Ele
convida as moças, que o seguem com seus copinhos de cristal em mãos, até uma
salinha. Traz uma barra escura, corta com uma tesourinha, com todo cuidado, explicando que no meio das duas barras há um
papel vegetal fininho que as separa. Que é pra não grudarem uma na outra
conforme o calor. Não pode. Porque se gruda uma na outra perde o glamour e a
forma original de cada barra.
Cada
uma pega um pedacinho.
-Esse é 100% cacau. ( explica)
O pedaço é pequeno,
Mel o enfia inteiro na boca.
- Que gulosa!
-
Desculpe.
-
Não se desculpe. Vamos tentar de novo – e dá
mais um a moça que o põe na boca. - Deixe-o derreter. Devagar... Isso. - Sem
descuidar de Mel ele observa Clau e alerta:
-
Não morde! Vai sujar seu dentinho. Muita
pigmentação. Deixe debaixo da língua, na bochecha. Só em lugares fofinhos da
sua boca. Se permita salivar. E respirar ao mesmo tempo, vamos lá, você
consegue...
Depois da experiência, as meninas saem da
sala mudas. Lili as espera na sala de entrada igualmente muda.
Por fim aparece ao
balcão o terceiro moço, com o mesmo uniforme dos outros dois. Este é moreno,
barba mal feita, lindo, lindo, boca
carnuda, voz rouca, olhar denso. Estamos em seis, entre atendentes e clientes.
As meninas se juntam
ao caixa, para ouvir com atenção a explicação técnica gastronômica que traz o
rapaz.
A chuva aperta lá
fora, e lá estão elas aprendendo sobre o tempo do cozimento. Como derreter
delicadamente, sem coalhar. Inicia-se uma verdadeira tempestade lá fora, e bem lá
dentro, estão eles. Elas, entendendo a
origem do cacau. Como comer devagarzinho
a diferentes tipos, de modo que cada um
deles não enjoe. Bem pouquinho porque
são cada qual únicos, em personalidade e
sabores muito intensos.
As meninas recebem com atenção a aula e
degustação dos tipos de chocolate, as misturas possíveis, e como fazê-las de
modo delicioso, delirante, delicado e responsável.
Por fim seus
benefícios. Seratonina. Corpo cheio de ar, é aerado. O áspero conforme bem
manipulado torna-se liso como plumas.
Os trovões aumentam e a audição da chuva que se faz altíssima. Ensurdece a todos, agora só
ouvidos aos suspiros do prazer que causa, o bom desfruto daquele alimento
espiritual.
A luz cai num relâmpago, não é breu mas meia luz do fim de
tarde chuvoso e cinza escuro. É março. O
atendente negro, para prevenir-nos dos perigos de tanta umidade, escuridão e
relâmpagos, fecha a porta do estabelecimento. Delicadamente.