Moradores de rua
não moram em lugar nenhum porque a rua é inabitável em São Paulo. Isso não é
legal. A cidade deve ser agradável de se estar, não é um trilho de trem, não é
uma calha de passagem, uma pista de autorama. Devia ser mais uma sala de estar.
Comprei meu
ingresso no cine Belas Artes e fui encontrar um lugar pra comer antes do filme.
Comi uma torta de frango e um suco de laranja naquela padaria famosa de esquina
a um quarteirão da Paulista. Queria poder
ler um pouco do meu livro até a hora do filme que para iniciar, ainda faltava 55
minutos. Por que então eu não fiquei na padaria lendo? Impossível. Muito
barulhento, muitas ofertas de coxinha gritando nas estufas iluminadíssimas.
Sempre tive os
ouvidos sensíveis. Em casa era muito difícil tomar café da manhã em paz por
vários motivos, mas principalmente porque de manhã, o timbre da voz de qualquer
pessoa da minha família me doía os ouvidos.
Ali na padaria era
final de tarde, quase noitinha e eu não conseguia ouvir meus próprios
pensamentos. Noto que isso me fez inconscientemente engolir minha torta de
frango pra ir embora logo dali.
Eu merecia ter
comido tranquila. Eu tinha tempo e um livro. Mas como, se minha cabeça
registrava a anti-sinfonia insuportável que compunha a voz alta, a risada das pessoas, celulares tocando, somado ao
barulhos dos talheres, da louça, dos passos, cadeiras arrastando no chão.
Aquele lugar deveria ser fechado pela vigilância sanitária por seu excesso de
decibéis desconectos. Tenho certeza que faz mal a saúde.
Nem consegui agradecer a menina que me
serviu, porque ela mesma não podia ouvir meus agradecimentos pois estava
enlouquecida fazendo mais barulho. Padarias barulhentas, até quando? Em vez de
um lugar para sentar, olhar e comer, parecia mais a bolsa de valores nos anos
90.
Estou no bairro talvez mais rico e conhecido
desta cidade, a região da Paulista, e não há um local tranquilo sequer para
simplesmente se estar. Não tem um banco de madeira na calçada, não tem um canto
onde eu possa parar pra olhar a garota de Ipanema passar. O Parque Trianon não
poderia ser, não estava tão perto, e é ao ar livre, só serve em dias de sol. Chovia
forte.
Paris é cheia de
cantos fechados e ao ar livre para se estar, Nova York por mais louca que seja
também tem. Temos que providenciar isso para São Paulo, afinal uma metrópole
além de metrópole, é essencialmente um
lugar onde se vivem seres humanos. E seres humanos além de consumidores
são essencialmente seres humanos.
Entrei na loja de
serviços da Oi e sentei no sofá branco que tinha lá.
-
Boa noite posso ajudar?
-
Não pode. Obrigada. ( encosto a cabeça no sofá
branco da sala de espera da Oi)
-
A senhora já pegou senha?
-
Não mmmff...
( respondo enquanto me espreguiço e estico as pernas)
-
Só um minuto que vou pegar a senha pra você.
-
Ok, obrigada... (abro minha bolsa, boto o celular no modo
avião pra não ser incomodada, checo o horário do cinema. Tenho 25 minutos para
ler)
-
Aqui está a senha senhora.
-
Senha senhora?
-
Deseja alguma coisa, uma água, um café? – as
vezes essas atendentes falam como se tivessem apertado o play nas costas delas.
Não ouvem, só falam automaticamente e somente registram reações que estão no
speech de atendimento...
-
Pode me trazer um café sim e uma água, obrigada.
Consegui ler algumas páginas em paz, enquanto chovia lá fora. Preciosos minutos meus, no meio da cidade.
Claro que tive de fazer uma forcinha para abstrair o fato de ali ser uma loja
de celulares e telefonia, e que em breve chamariam pelo número 234.
Por
que precisamos estar consumindo alguma coisa para merecer uma sentada
despretensiosa num sofá? Só pode ler uma crônica quem estiver em casa? E quem
mora longe?
Penso que muita gente fuma cigarros só pra ter cinco minutos “fazendo
nada” no meio do dia, soprando fumaça. Não precisaria tomar um café ou comer
torta de frango pra ter isso. Só precisamos de um puff num local seco e seguro.
Um sofá a prova d’água para os pontos de ônibus, talvez com um telhadinho
bacana para dias de chuva. Espaço. Um quadrado com uma planta ou um quadro pra
olhar. Um canto com uma estante de livros e gibis no meio da cidade, sem
nenhuma propaganda ou senha de atendimento de espera.
Todo
espaço que vejo é vendido a alguém que quer vender algo.
Quero espaço livre pra conviver, ou só
respirar, ter cinco minutos sem pensar em comprar nada, somente estar, ser, por
quinze, cinco minutinhos guardados. Pode ser?