quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Cinco minutos guardados / Mobiliário Urbano e Humano Urgente e Já!



    Moradores de rua não moram em lugar nenhum porque a rua é inabitável em São Paulo. Isso não é legal. A cidade deve ser agradável de se estar, não é um trilho de trem, não é uma calha de passagem, uma pista de autorama. Devia ser mais uma sala de estar.


   Comprei meu ingresso no cine Belas Artes e fui encontrar um lugar pra comer antes do filme. Comi uma torta de frango e um suco de laranja naquela padaria famosa de esquina a um quarteirão da Paulista.  Queria poder ler um pouco do meu livro até a hora do filme que para iniciar, ainda faltava 55 minutos. Por que então eu não fiquei na padaria lendo? Impossível. Muito barulhento, muitas ofertas de coxinha gritando nas estufas iluminadíssimas.

  Sempre tive os ouvidos sensíveis. Em casa era muito difícil tomar café da manhã em paz por vários motivos, mas principalmente porque de manhã, o timbre da voz de qualquer pessoa da minha família me doía os ouvidos.
 
  Ali na padaria era final de tarde, quase noitinha e eu não conseguia ouvir meus próprios pensamentos. Noto que isso me fez inconscientemente engolir minha torta de frango pra ir embora logo dali.

  Eu merecia ter comido tranquila. Eu tinha tempo e um livro. Mas como, se minha cabeça registrava a anti-sinfonia insuportável que compunha a voz alta, a risada  das pessoas, celulares tocando, somado ao barulhos dos talheres, da louça, dos passos, cadeiras arrastando no chão. Aquele lugar deveria ser fechado pela vigilância sanitária por seu excesso de decibéis desconectos. Tenho certeza que faz mal a saúde.

   Nem consegui agradecer a menina que me serviu, porque ela mesma não podia ouvir meus agradecimentos pois estava enlouquecida fazendo mais barulho. Padarias barulhentas, até quando? Em vez de um lugar para sentar, olhar e comer, parecia mais a bolsa de valores nos anos 90.

   Estou no bairro talvez mais rico e conhecido desta cidade, a região da Paulista, e não há um local tranquilo sequer para simplesmente se estar. Não tem um banco de madeira na calçada, não tem um canto onde eu possa parar pra olhar a garota de Ipanema passar. O Parque Trianon não poderia ser, não estava tão perto, e é ao ar livre, só serve em dias de sol. Chovia forte.

  Paris é cheia de cantos fechados e ao ar livre para se estar, Nova York por mais louca que seja também tem. Temos que providenciar isso para São Paulo, afinal uma metrópole além de metrópole, é essencialmente um  lugar onde se vivem seres humanos. E seres humanos além de consumidores são essencialmente seres humanos.

  Entrei na loja de serviços da Oi e sentei no sofá branco que tinha lá.
-       Boa noite posso ajudar?
-       Não pode. Obrigada. ( encosto a cabeça no sofá branco da sala de espera da Oi)
-       A senhora já pegou senha?
-       Não mmmff...  ( respondo enquanto me espreguiço e estico as pernas)
-       Só um minuto que vou pegar a senha pra você.
-       Ok, obrigada...  (abro minha bolsa, boto o celular no modo avião pra não ser incomodada, checo o horário do cinema. Tenho 25 minutos para ler)
-       Aqui está a senha senhora.
-       Senha senhora?
-       Deseja alguma coisa, uma água, um café? – as vezes essas atendentes falam como se tivessem apertado o play nas costas delas. Não ouvem, só falam automaticamente e somente registram reações que estão no speech de atendimento...
-       Pode me trazer um café sim e uma água, obrigada.

  Consegui ler algumas páginas em paz, enquanto chovia lá fora.  Preciosos minutos meus, no meio da cidade. Claro que tive de fazer uma forcinha para abstrair o fato de ali ser uma loja de celulares e telefonia, e que em breve chamariam pelo número 234.

  Por que precisamos estar consumindo alguma coisa para merecer uma sentada despretensiosa num sofá? Só pode ler uma crônica quem estiver em casa? E quem mora longe?

  Penso que muita gente fuma cigarros só pra ter cinco minutos “fazendo nada” no meio do dia, soprando fumaça. Não precisaria tomar um café ou comer torta de frango pra ter isso. Só precisamos de um puff num local seco e seguro. Um sofá a prova d’água para os pontos de ônibus, talvez com um telhadinho bacana para dias de chuva. Espaço. Um quadrado com uma planta ou um quadro pra olhar. Um canto com uma estante de livros e gibis no meio da cidade, sem nenhuma propaganda ou senha de atendimento de espera.

 Todo espaço que vejo é vendido a alguém que quer vender algo.
Quero espaço livre pra conviver, ou só respirar, ter cinco minutos sem pensar em comprar nada, somente estar, ser, por quinze, cinco minutinhos guardados. Pode ser?