quarta-feira, 8 de maio de 2013

A arte de criar caso




A primeira definição de arte, foi dada pelos gregos, significa técnica ( tτέχνη ). Logo, teatro seria a técnica ( ou arte) de representar um texto, música a técnica de fazer som em harmonia dentro de uma escala de tons, e assim por diante. Todas as outras, a de cozinhar, de fazer esculturas, de combinar cores e formas numa tela, a arquitetura a de construir edificações,  são todas por tanto, consideradas como arte, ao pé da letra. Arte para os gregos era técnica.
  Lá pro século 14 começou a ideia de arte ser uma coisa de gente abençoada, ou perturbada. Veio a atribuição de genialidade, coisa de gente especial que recebia inspiração divina e etc. Como se arte fosse uma coisa de outro mundo que vem não sei de onde pra dentro do artista, quando antes, pelos gregos, era uma coisa mais concreta mesmo.

 No português de hoje, técnica continua mais concreto, e arte apesar de ter esta origem concreta ainda tem para as pessoas este significado lúdico, o que é ótimo para o artista! Pensarem que sua obra do é única e inimaginável por outros. E é mesmo. Mais essa idéia com certeza Talvez ajude a criar mais público. Ou um público mais… encantado.

Embora exista crítico de arte, que mensura o quanto ela pode ser e pura ou não, boa ou ruim, técnica no nossa amada língua portuguesa é uma palavra e arte é outra, estão longe de ter significados idênticos.

  O mundo não pára de inventar novas técnicas para tudo. A arte de sobreviver. Cada um desenvolve a sua técnica. No entanto, muitas das consideradas arte, permanecem intactas. como o teatro, as plásticas... Mesmo meio a tantas modificações é possível distinguir a pureza das principais quando se apresentam a nós observadores.

  Todas as tardes, mas principalmente nos finais de semana, no parque do Ibirapuera, alguns artistas vão exibir suas técnicas. Como trata-se de um parque lotado de gente, ganha atenção aqueles que realmente sabem prender o público. Sabem como segurar as pessoas ali. Em vários outros parques isso se repete a milênios.

 Uma vez na pça da Recoleta em Buenos Aires, não conseguia deixar de fixar meus olhos num  palhaço pantomimo, que fazia suas apresentações uma seguida da outra, e eu assitsia a todas ( que eram as mesmas com pequenas diferenças por causa da platéia) sem desgrudar os olhos.
 Quem gosta de assistir Chaves, faz isso há muitos anos, desde criança e até hoje depois de adulto, assisti pela milésima reprise e ainda ri, contente. Muitas vezes se surpreende e gargalha da mesma cena que vê há tanto tempo e continua exatamente a mesma. Uma pantomimo numa praça ainda muda um pouquinho, mas Chaves é gravado! 

Menstruação é um negócio meio parecido. TPM é uma mentira que nosso corpo conta todo mês, no qual acreditamos piamente, a ponto de viver intensamente aquela mentira da tensão pré menstrual até ela acabar. Aí passa, parece que nem aconteceu (pra gente). No mês seguinte caímos na mesma lorota novamente, e assim é sucessivamente. Haja paciência para ver o mesmo filme e se impressionar todo mês.

  No Ibirapuera desde a minha infância uma estória se repete. É colocado um círculo de facas numa altura de um metro do chão, mais ou menos. Dois homens da Bahia ( ou de alguma cidade do nordeste) com seus corpos perfeitos anunciam que o show vai começar. Eles gritam alto para chamar o público, que receoso chega aos poucos para tentar entender do que se trata, e que diabos farão aqueles homens e aquelas facas.  Conforme as pessoas vão chegando, eles a posicionam em seus "acentos" que 'e em pé em volta do circulo que fazem no chão com água. E começam a contar de onde são, como chegaram a São Paulo, fazem piadas com uma ou outra pessoa da roda, ou entre si… Se alongam, mostram ao público o quanto é perigoso o que estão próximos e cada vez mais próximos de fazer. Pedem colaboração financeira. Um ou outro vai cedendo. Alguma moedas ou notas baixas vão sendo colocadas no chapéu. 
Conforme o montante cresce, aumenta também o tom da voz, o teor de excitação, destes performers.  Eles se alongam, aumentam o suspense, fazem uma acrobacia, tocam pandeiro, jogam um pouco de capoeira, cantam uma canção, e finalmente ameaçam atravessar o círculo levemente, mas não o fazem. Alegando ser necessário muita concentração e colaboração da plateia. Dizem o quanto é difícil  atravessar aquele circulo e por isso pedem que fechem mais a roda de observadores. E assim continuam neste truque até a escassez , muda a platéia e começa tudo de novo.

  O amontoado de gente provoca a furiosa curiosidade humana. E estes improvisadores , munidos de certo roteiro, desenvolveram muito bem a técnica de segurar a tensão no ar, na voz, e atrair novos curiosos. No nordeste ainda fazem com uma carapuça onde prometem o show inteiro de que uma cobra encantada ( ou rato treinado, ou uma mão amaldiçoada)  vai sair da carapuça para uma outra colocada em frente. Alguns até conseguem criar esta ilusão. Crianças costumas gostar desse.

 Quando vi no Central Park em Nova Iorque, não pude acreditar. Três homens negros chegaram num determinado ponto do famoso parque em NY e gritaram em coro com voz forte e determinada ordenando: " Hey! Voces todos! Parem agora mesmo tudo o que estiverem fazendo e olhem para nós! Pois vai começar o maior show da Terra!" Hipnotizadas, mesmo as pessoas que estavam assistindo musica clássica numa orquestra de um determinado palco ali perto instalado, saiam imediatamente em direção ao trio.  Alguns turistas com medo da força daqueles três, se aproximava devagar, com uma curiosidade perturbante, que os fazia ceder aos poucos, até não suportarem a sucção e cederem. A mesma autentica técnica dos nordestinos no Ibirapuera em Sao Paulo. Idêntica. Mas com um estilo diferente. 

  Estes eram negros do Harlem, vivem todos juntos numa casa, e estavam ali para conseguir alguns trocados no estilo hip hop nova-iorquino.Nada de circulo de facas ou carapuças, mas um radinho tocando black music em alto som. Mesma coisa, alongavam, e pediam " show your love" (mostrem seu amor) para que despejassem em um balde, moedas, notas de dólares, em troca de  uma ou outra, muito pouca acrobacia que faziam. Alguma dança facilmente encontrada em clubs onde se dança black, e nada mais. 

Fingiam estar se preparando para algo grande que nunca acontecia. A coisa grandiosa ali era que as pessoas não iam embora logo. Ficavam na espera de algo que não chegava.
Então o público cansava e ia embora. Chegavam outros e caiam na mesma "cilada"  e assim, o chapéu ( neste caso um balde estiloso) ia enchendo. 

Bela forma de passar a tarde no parque. Exercitando a arte de incitar expectativa e de prender a atenção e a curiosidade alheia. Fascinante como conseguiam isso com todo tipo de gente credo cor classe social, a arte é mesmo democrática, atingi nada mais que a todos.

 Alguns pagavam outros não mas nenhum passava despercebido e quase nenhum resistia a no mínimo uma paradinha pra olhar.

  Uma senhora, destas super turista da cabeça aos pés, munida de sua câmera ficou em ponto de foto por horas. Desconcertada sem saber o que fazer esperando pela foto do melhor show da terra anunciado. Em Nova Yorque eles usam um pouco de auto piedade também. É uma terra onde a mentira, ou o " ser enganado" é nada tolerado. Por isso quando as pessoas não queriam pagar ou não queriam fechar a roda, eles  (os atores , vou chamá-los assim), pretendem estar tristes e chateados e justificam ser por isso que não farão nada mesmo.

  Quando deu contei a esta senhora, da técnica, ela se sentiu  enganada. Eu expliquei que este roubo, era igual ao de um palhaço que lhe arranca uma gargalhada, ou de um filme triste que lhe faz debulhar em lagrimas, ou de uma peça bem escrita e bem encenada que assalta seus sentidos e pensamentos.  Lhe tentei dizer, que aqueles artistas haviam lhe aguçado a expectativa, a curiosidade, e ponto. Um pouco decepcionada, mas parecendo entender, ela deu um " dólar consciente"  sem ter visto nada acontecer, tirou uma foto, e foi embora. Afinal ( a célebre frase de mendigo): eles poderiam estar roubando, matando sequestrando, mas não estavam mendigando! Desenvolveram a arte de segurar as pessoas. De lhes causar expectativa. 

Tenho comigo que nada de mais muito interessante que aquilo aconteceu a ela depois daquele show naquele dia.

  Espero não ter feito como a formiga que pergunta  a  centopéia como é que ela dança, e quando ela responde nunca mais consegue voltar a dançar. Pois disse o frances que escreveu essa fábula, que quando se começa a pensar naquilo tecnicamente demais  em arte, no sentido de saber exatamente no protocolo como aquele bailado se deu, perde-se imediatamente a graça, que é mais intuitiva, artística. 

Eu acho que se pode combinar os dois! O compreender e o sentir, pois como a TPM, por mais que seja cientificamente desvendada, o que ela causa, continua a se repetir, evitando-a ou não, lá está!
 E cá entre nós, quando é arte mesmo, e a técnica é bem feita, não nos cansa. Nos agrada, alivia, agita. Pode reprisar mil vezes que a catarse será a mesma e a reminiscência ainda mais viva.