domingo, 24 de março de 2013

Futebol é um espetáculo, teatro é jogo







  Um diretor russo veio ao Brasil conhecer o teatro daqui. Veio para um espetáculo específico. Ele já sabia da nossa língua, do grupo que visitara e do texto que fora assistir. Na verdade esse texto era de muito conhecimento dele.  Já havia montado, teorizado sobre, ganhado prêmio por, e tudo mais. Um especialista. O que deixava o grupo bem nervoso. Receber a “visita” de um cara desse é até mais tenso do que a do mais crítico dos críticos! Ele senta na primeira fila. Conforme a peça vai se desenrolando, ele vai se enformigando na cadeira. Quando um ator termina de dar a fala esperada, ele leva a mão na testa  e morde o lábio “mmmff!”. A fala continua e ele com o queixo para cima, entreolha e solta um “Uhh!!”,  como quem diz: quase! Na trave! Continua vendo a peça com muita atenção, aflito. O clima da cena esquenta e então num sentido apreensivo ele diz “No! No! no!” , desesperado.  Baixa a cabeça entre os joelhos, não querendo ver o que está acontecendo. Desta posição ele vai abrindo os dedos que fechavam a sua visão, e aos poucos volta  a acompanhar o lance. Atento, dispara um “ssss!” pra dentro como se sentisse junto a dor do ator e do personagem . Nos último minutos do segundo ato ele já está mais calmo. “Ufa”!  Termina a peça ele solta um muxoxo   “tsc...” E sai da sala com o restante da platéia, pensativo e suspirante. Como se seu time tivesse perdido uma partida. No camarim os atores comemoram os acertos e lamentam os erros. Lembram as estratégias e refletem se conseguiram atenderam as expectativas da torcida, que hoje estava ansiosa por acertos.   

  Futebol é um esporte coletivo e é o mais popular do mundo. Grande elenco, onze caras de cada lado correndo atrás daquela esfera de couro, enquanto uma multidão de pessoas em volta fica torcendo contra ou favor. A equipe ensaia como fazer gols e ganhar o jogo.  Tem um técnico que dirige tudo como será. Um designer criou a logo.  A cada temporada cria-se novas variações de texto e formas que obedecem as cores do time e que inovam cada ano mais em como atrair mais público.

  Uma outra vez, eu soube que montariam um texto que gosto. E conhecendo a companhia e seu elenco, fiquei curiosíssima para saber a escalação. Duas mulheres eram necessárias. Qual delas seria a protagonista e qual a coadjuvante daquele jogo que eu queria tanto ver como que iria ficar? O diretor ( incompetente) escolheu a esposa como protagonista. E botou a melhor atriz da companhia para ter poucos minutos de fala, enquanto a outra chata dominava o palco por mais de uma hora de show.  Mas quando a bola estava com essa talentosa coadjuvante... eu vibrava! E quando ela saia de cena eu levava os braços a cruzar e a esperar por sua próxima entrada. Saí indginada do teatro. Enérgica, xingando a incompetência técnica do diretor!
  As vezes o ator jogador é bom, mas o diretor não extraiu tudo o que ele podia.  Por isso que existem mil técnicos de futebol em butecos. Como público que está de fora, nos parece evidente o que seria melhor ter feito.

  No nosso país existem dois principais tipos de protagonistas das páginas de coluna social: artistas na maioria atores, e jogadores de futebol. Alguns até acabam namorando entre si e geram capas de revistas por anos a fio. Fora os dramas que rolam na vida dos jogadores, que é uma novela. Tem jogador de futebol que aparece mais na TV que ator, e não digo jogando, mas fazendo publicidade mesmo.

  Eu não sabia que eu sabia de futebol. Descobri na Venezuela, onde o esporte oficial é o beiseboll. Era beiseboll em tudo quanto era esquina. Andava duas quadras e lá estava mais um jogando no quintal. Morei  em Caracas por praticamente três anos seguidos, entre idas e vindas. E peguei um ano de Copa do Mundo naquele país.
 Um dia fui com venezuelanos assistir a um jogo as eliminatórias num pub, era Venezuela e algum outro time tão ruim quanto, não me lembro qual. O jogo estava ridículo.  Eles estava muito mal, mesmo. Porém, nunca me diverti tanto. Ver aquilo era muito melhor que muito show de comédia por aí. Era desengonçado, cheio de erros emperrados, clownesco. De repente do nada, sem motivo algum: um gol. E o locutor vibra: “goooolaaaaço! Diós ! Que gol maravijoso!” e os venezuelanos comemoravam e diziam o quanto o gol tinha sido bonito e bem elaborado! Eu não entendo como aquele gol aconteceu. Até hoje rio lembrando da situação. Decorei a cena e as falas daquela ação. As vezes, como aconteceu no jogo da Venezuela, foi um horror,  mas deu certo.
  As vezes o jogador é bom mas não ouve o coleguinha, é fominha. Jogador de futebol fominha quer ser estrela. Perde o gol, mas não perde a cena.

Um casal sai do teatro:

-Mas que coisa linda que vimos agora... diz a garota
-Como assim linda? Eu não entendi nada! Que maluquice esta peça, não era pra ser Romeu e Julieta?
- Mas o cenário era lindo, o figurino a luz, aquele beijo em boca de cena... lindo.
- Mas eles não tinham que contar uma história?
-Tinham.
- E contaram?
- Não. Mas eu amei. E você?
- ele torce o nariz e responde – Mmmmm, é, eu também gostei daquele balão voador alienígena. Bonito né?


Dois amigos saem do jogo de futebol:

-Aquele técnico é um idiota! Zero a zero no final do segundo tempo e  ele deixou o Edfundo no banco? Pra quê botar aquele perna de pau do Gaymar?
- Perna de pau? O cara deu um chapéu no galinha preta, voltou, passou por entre as canetas do zagueiro e  é perna de pau?
- Mas pra ganhar o jogo não tem que fazer gol?  Você viu algum gol hoje?
- Não.
- E tá feliz?
-Na junção de pontos podemos deixar o gol para a próxima partida e ainda podemos ganhar o campeonato. Imagina se ele fizesse aquilo que o Gaymar fez e ainda marcasse o gol?
- É... não se pode ter tudo na vida...
- No jogo que vem, o Edfundo faz gol de penalti e ganhamos.
- Será?
- Tomara...

  O futebol é mais democrático, mas eu creio não existir nada mais coletivo que fazer teatro. Cada um faz sua parte e todos, todos mesmo, são de suma importância.  A humanidade sabe que só a união faz a força, e clama por esta celebração, do coletivo. As pessoas viajam, se deslocam para ver um espetáculo que mova seu espírito. O esporte exercita, movimenta, mexe. A imaginação também. 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Psicomanicuroterapeuta




  Manicures sabem tudo sobre homens. E sobre a vida! Entre elas existem as casadas , viúvas, mães, avós, e mesmos as solteiras, periguetes, são todas ótimas ouvintes e muito boas conselheiras. Tem manicure mais bem informada


que o próprio jornal, e contam as novidades com mais vontade que as apresentadoras de TV.
  Já tive que trocar de manicures inúmeras vezes, pois algumas se tornam perigosas. Sabem demais, fofocam muito aí me irrita e eu troco. O contrário também acontece. Já fui expulsa do salão pela manicure/ pedicure que me pediu “desculpas” mas  não iria mais me atender.  Me dispensou com veemência esbravejando: “O que vc fez com a sua mão? E com seu pé? Está tudo roído horroroso, não vou mais te atender. Procure um psicólogo e jogue seu alicate fora. Nunca vi se cortar desse jeito... Atendo mais não, enquanto não parar com isso.” Desolada fui evidentemente embora, e acabei sendo acolhida por outra que sabia um pouco mais sobre gente doida que corta e rói unhas. Uma psicomanicuroterapeuta. Essa  me atendeu e ainda conseguiu consertar o estrago que eu tinha feito, deixando meus pés e mão razoavelmente apresentáveis. E não me deu bronca. Mas palestrou sobre esta mania de roer.


  Era uma vez Jaqueline. Além de manicure e pedicure exemplar, era criativa, cuidadosa e limpa, mas o seu maior o diferencial era o de ser praticamente uma podóloga. Ela nem cobrava por isso devidamente. Não tinha feito “curso” de podologia,  somente era mais cuidadosa e talentosa.
   Certa vez ela conseguiu desencravar a unha de Josué, cliente que lhe ficou eternamente grato pelo alívio que sentia. E maravilhado pela massagem nos pés que ela lhe aplicou. Porém quando ela fez isso, não havia o libertado definitivamente do incômodo. Deixou a unha desencravada, mas provisoriamente, de modo que quando voltasse a crescer, encravaria de novo.  Ela tinha a técnica e instrumento para desviar a unha da ferida o libertando para sempre. Mas preferiu só aliviá-lo e manter a unha em direção da parte defeituosa de seu dedo, para que ele fosse obrigado a voltar. E voltava.  Sempre que crescia a unha e ela voltava a incomodar, Josué se aliviava da dor, e se deleitava com a massagem e o serviço bem feito de Jaqueline.
 Ela dispunha de qualquer horário para atendê-lo, a hora que fosse. Fazia-lhe o chá que gostava, comprava as bolachinhas com geléia. Quando na milésima visita Josué, o cliente querido, a indagou:
- Mas por que diabos será que esse problema sempre volta? Tenho o dedo defeituoso?
- Seu dedo é perfeito como o senhor.
- Como?- ela o fita nos olhos e diz com seriedade e firmeza:
- Case-se comigo e eu te livro disso para sempre.
Surpreso mas não tanto assim, Josué voltou na semana seguinte. Ela o esperava com esmalte branco, com vestido também branco e havia feito maquiagem de noiva. Ele botou no salão mesmo, um anel de noivado na anelar direito de Jaqueline. Feliz e com lágrimas nos olhos, ela o sentou cuidadosamente, cortou rapidamente um desnível de pele do dedo do pé dele, com um instrumento especial que tinha guardado, e disse:
-Agora pode crescer que não encrava mais.- ele a olhou com ternura e respondeu:
-  Agora nós vamos casar, e eu vou ter massagens nos pés todos os dias?
- Uma vez por semana. Se for mesmo bom marido.  -  E se casaram.
A minha manicure terminou minhas unhas novas, vermelhas, e como já me conhece, logo já disse.
- Fique quieta! Cuidado para não borrar, que eu fiz duas camadas.
- Oh não!
- Não acredito, você borrou a unha postiça? Droga, é bem pior que refazer unha normal...
-Não borrei não! Só lembrei que fiquei de cozinhar pro meu namorido hoje... E sem postiça já acho difícil, imagine com ela...
- É verdade você casou né? Namorido. É casada só não tá de aliança ainda.
- É. Mais ou menos. – ela me olhava pensando e séria.
- Se vai ser mulher casada não tem mais de roer unha por menor que seja, tem que ficar bonita e do jeito que ela realmente é.- Pensei “pronto mais uma que não vai mais querer me atender”
- Não vou mais te botar postiça.-  (pensei “bingo”) – E ainda bem que sua mão é bonita de qualquer jeito, e que você sabe, ou tenta  cozinhar. Se não ele ia largar você. Uma coisa ou outra né fia?
- O que quer dizer com isso? Como assim?- não estava entendendo nada.
- Nosso tempo acabou. Te espero na semana que vem. – E me deu a fichinha pra pagar.