segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Quem tem medo de dia ensolarado?


 Um dia antes fui assistir a peça “Disney Killer”. Boa. Tá em cartaz no centro cultural Vergueiro, num galpão sinistro, que ajuda no clima também sinistro da peça.

 As peças de teatro geralmente falam de mil coisas, além do  assunto evidentemente representado ali. Eu sempre aprendi muito sobre gente e coisas de gente indo assistí-las. Além de muitas vezes ter funcionado como terapia.
 Essa falava, dentre outras coisas , sobre o medo. Eu detesto gente muito medrosa. Me dava agonia danada  ver a personagem que era assim. Viciada nos próprios medos.

 Uma noite antes assisti um programa de televisão apresentado pelo Mojica, grande cineasta e pesquisador de medos das pessoas, ele é o cara dos filmes de terror: o Zé do Caixão. Ele fez uma experiência que me deu arrepios a ponto e eu desligar a TV e ficar em silêncio na sala, atônita.  A moça estava de olhos vendados e ouvia o som de um instrumento grave, semelhante ao saxofone, porém mais denso, e um lento amedrontador. A música deste instrumento (desculpem não saber o nome daquele tipo de sax/corneta) , causava uma tensão, um clima pesado, arrastado.  De repente a câmera me mostra bem próximo da lente, o close de uma lesma. Ela se aproximava do rosto da mulher vendada. E com aquele som. Que horror. Não pude terminar de ver aquilo.
   Acho que este é o único medo fobia absurda que tenho. Me domina este medo. Aquele bicho e os parentes dele. Ouvi dizer que ela não existia no Brasil. Que um francês sádico maluco, trouxe elas para fazer criadouro e vender scargots. Que idéia idiota. O imbecil desistiu disso, voltou para França e as deixou aqui procriando no calor do Brasil. Elas fugiram dos criadouros e foram viver nos nossos rios. E já morreu gente de pegar a doença que aquela maldita gosmenta deixa nos rios e pode atacar o pâncreas, e outros órgãos de filtragem que tem o corpo. Um horror.

  Fora “isso” sempre fui a menina moleca mais corajosa que eu já conheci. Só andava com meninos e fazia mil maluquices. Não tenho medo de altura, de velocidade, de sapo, de cobra, buraco, armadilha, nada. Só de lesma.

 Uma vez estava num sítio que ia sempre com a minha família. Tinha uma égua no celeiro, se chamava Boneca. A ordem era não mexer com ela. Eu tinha menos de 10 anos e desobedeci, seqüestrando Boneca sem cela, e cavalguei pelo sítio. A bichinha disparou.  Me levou longe da casa, do celeiro e cavalgava a ponto de meus cabelos voarem e meu corpo em cima dela também. Determinado momento ela parou, pois não podia seguir aonde a mata fechava . Ela brecou. Respeitando as leis na inércia, eu voei para frente, quase quebrando a canela na raiz de uma árvore. Eu mal enxergava com a tanta dor que sentia. Quando tenho muita dor não enxergo direito! A imagem foi voltando e eu enxerguei meu pai, homem bravo e grande. Naquela época maior ainda. Eu comecei a negociar com ele que não brigasse muito comigo pois eu já mal conseguia ficar em pé de tanta dor, e esse poderia ser meu castigo. Depois de um tempo me olhando em silêncio o meu desespero, meu pai mandou eu buscar a Boneca. Por sorte ela estava perto. Então ele mandou eu subir na Boneca e levá-la de volta ao celeiro lá longe.
- Sem a cela?




-Não foi assim que voce a trouxe até aqui? - por que ele estava fazendo aquilo? Me pareceu um castigo terrível. Eu estava com muito medo dela, que suava, estava cansada e havia me derrubado no chão! Ele continuou: -  Se voce não subir nela agora e levá-la de volta ao celeiro,  vai ser pra sempre uma menina medrosa, vai ter medo de cavalos.
 Eu nunca tinha cavalgado antes, tinha sido a primeira vez.  Eu  com dor e o coração disparado . Ele me ajudou a subir, e voltamos para o celeiro em silêncio. Continuei sendo uma menina corajosa.
  

 Meu pai tinha métodos estranhos, uma vez me afogou na praia e disse que assim eu aprenderia mais rápido a nadar... Me forçou a subir naquela égua, mesmo depois de ela ter me derrubado. Foi quando naquele dia, ao tomar banho só mais tarde, vi minhas pernas estavam lotadas e carrapatos. Foram arrancados por mim e minha mãe um por um. Cada um deles me levando pelo menos uma gota de sangue. Então meu medo se tornou outro. Bichos escrotos que sugam. Barata eu adoro, não tenho medo, nem nojo. Tem barata na peça “Disney Killer”.

  Já ouvi de um guru certa vez, que o que desalinha os chacras e cria doenças, são duas coisas: o cultivo do medo e da dúvida. Agora preciso voltar a andar de bicicleta . Um caminhão em São Paulo atropelou minha bike. Tive que rapidamente pular dela para que a roda do caminhão passasse por cima.  Não quero deixar que me assalte o medo de bicicleta em plenos quase trinta anos de idade. Aos seis anos de idade eu somente utilizei as rodinhas da minha primeira bicicleta vermelha por um dia, quando a ganhei. No dia seguinte tirei as rodinhas para virar bicicleta de adulto. Queria pedalar que nem gente grande. Caí um monte. Meus pais perguntaram se eu queria que as botasse de volta. Jamais. Seria retroceder. Caí até aprender.
  O espaço da cidade dá total prioridade aos objetos de locomoção motorizados. Os caminhões, os carros.  Pelo tanto que poluem, por sua agressividade, e por serem armas letais que matam todo dia, deveriam ter menos preferência. Sonho meu...
  Tenho certeza de se pudéssemos ir ao trabalho de bike com segurança, chegaríamos ainda limpos, saudáveis e felizes ao trabalho. Sobrevivi. Agora falta vencer a terrível possibilidade de ter adquirido um medo. Medo de uma coisa que é pra ser locomoção, esporte e  lazer. Desse jeito, o próximo filme do Mojica será sobre o que? Um menininho andando de patinete num dia ensolarado? E vai amedontrar platéias cheias de acento.