A melhor coisa era
ir a praia, chegar logo ao Rio de Janeiro. Fomos os três. Em Ipanema tomamos
mate com limão: eu, minha amiga gringa e meu namorado leitor de jornal. Muito
sol e muito Brasil. Rodas de futebol se formaram uma ao lado da outra formando
uma fila de rodinhas de futebol na beira mar. As cariocas dando ombradas,
cabeçadas e matando a bola no peito. Eu disse a minha amiga que também faço isso muito bem, que jogo desde
pequena. Só não estava muito disposta naquela hora. Até parece...
Empolgada e intrigada em ver mulheres e velhos
jogando futebol, a canadense tirava fotos, filmava. Eu tomava sol e as vezes
dava explicações esdrúxulas sobre nossa cultura. Chato era voltar ao hotel e
lidar com a cara de safado do recepcionista.
Quando chegamos os
três para pedir um quarto, ele fez aquela cara e perguntou: “Um quarto, com uma
cama de casal para três?”. Respondi: “Moço, queremos três camas! Ele é meu namorado
e ela é minha amiga mesmo! Não é amante nossa não! Estamos viajando em três e
só vamos ficar em um só quarto para economizar. Não é nada do que o senhor está
pensando.” Ele olhou pra cara do meu
namorado, com a sobrancelha dizendo: “Sei...”.
O Rio de Janeiro está
caro, não podíamos pagar dois quartos, era só isso. Mas ninguém daquele hotel
parecia acreditar nisso. E nos olhávamos toda manhã na sala de desjejum como se
fossemos Vicky, Cristina e Barcelona.
Exaustos de sol, dormimos. Cada um em sua
cama. Pensamos em sair a noite mas o cansaço foi maior. Dormimos mesmo. Lá pras
duas da manhã, a canadense começa a delirar “Oh my God!, Oh no, no... no!”.
Estava passando mal do estômago. No começo vomitou bastante, depois se
contorcia de dor, e gemia alto na cama. “Oh! Oh, no... Wait a minute.... Yes...
Yes! Oh my God!” Acho que os “yes”era
quando melhorava a dor, e os “nos”era pra quando piorava. Liguei para o melhor
médico que eu conheço em São Paulo. Passei a situação, ele passou uma receita.
Fui comprar o remédio. Chego na recepção com o saquinho da farmácia e recebo
mais um olhar duvidoso do recepcionista. Ela tomou o remédio e conseguiu
dormir. Havia de ser o mate com limão. Quando foi três da manhã começou o
escândalo de novo. Ela sentia muita dor e gemia escandalosamente! Já não mais vomitava, mas se contorcia de dor
e gemia cada vez mais alto: “Please! Livia! Dont’leave me!” clamando por ajuda.
Fui com ela ao hospital. No elevador trombamos a senhora que mudava de quarto e
olhava feio. Mudava por causa do barulho? Ou da mente pervertida dela?
Taxi amarelo.
- Senhor, minha amiga está passando mal – “Oh my God!”- Calma amiga , já estamos indo.
- É gringa? Qual foi? Cachaça? – com sotaque carioca.
- Não senhor, é vegetariana e também não bebe álcool.
- Foi aquelas porra de bola que os gringo toma pra ficar
doidão?- com muito sotaque carioca
- Senhor, pode nos levar ao hospital mais próximo, no
caminho conversamos?
- E onde é o mais próximo?
- Vai me dizer que não é carioca? - desci do taxi e avistei o recepcionista
curioso na porta do hotel. - Aonde é o hospital mais próximo?- perguntei.
- O taxista não sabe?- também surpreso o recepcionista.
-Não.- ele explicou ao taxista aonde tinham dois. E depois
perguntou-me:
- É exstasy?
- Não. Ela é vegetariana, não fuma nem usa drogas, foi o
mate. Explico quando eu voltar. Até.
No caminho comecei a
rir e não pude explicar a minha amiga o por quê. É que no rádio do taxista,
tocava uma rádio evangélica, e o locutor dizia: “Você, que está sozinha ouvindo
este programa... seu marido foi comprar cigarros e nunca mais voltou. EnTão
você o espera na janela todas as tardes...”
Pedi ao taxista que abaixasse ou desligasse o rádio, mas ele não o fez.
Fiquei ouvindo o programa evangélico e a canadense gemer até chegar. Longe.
No hospital o ar
condicionado estava congelante. Abrir a porta do pronto socorro foi como abrir
um freezer. Em seu habitat natural de gelo, a canadense pelo menos parou um
pouco de gemer. Enquanto esperávamos e eu me resfriava, perguntei se podia pelo
menos aumentar um pouquinho a temperatura. Não. Por causa dos germes cariocas.
Eles morrem no frio, tem que ficar frio.
A atendente me fazia
perguntas que eu não sabia responder sobre minha amiga. Mas as respondi e fomos
atendidas por um médico gatinho. Jovem, carioca, moreno. Foi logo perguntando
se ela estava drogada, ou se era cachaça. Disse a ele que nós duas éramos
vegetarianas, viajantes, livres, fazíamos yoga e perguntei o telefone dele. Mentira.
Ele diagnosticou que ela era gringa e havia tomado mate na praia. Chamou de “mal
estar do viajante”. Que iria passar, era só tomar água, mas estava desidratada
e precisava de soro.
Pra tomar o soro foi um suplício. Dois litros! E logo
voltamos para pedir alta ao médico gatinho. Estávamos maquiadas e mais coradas.
Entramos na sala tinha um médico velho! Com sotaque capixaba. Devia ter uns mil
anos. E diferente do outro, não diagnosticou o mal estar do viajante, mas um possível
começo de úlcera que a acompanhava há tempos!
Receitou um monte de remédios pra tomar por um mês e mais outros que ela
deveria tomar pelo resto da vida. Não poderia mais tomar café, pediu uma biópsia do estômago e deu
gratuitamente o tratamento com remédios, mais as guias para os exames.
De volta ao hotel,
eu estava feliz que no pronto socorro público minha amiga gringa havia sido bem
atendida por dois médicos diferentes, num super ar condicionado e estava medicada,
saudável e corada. Ela não poderia falar
mal da gente no Canadá, afinal deu tudo certo. Então no dia seguinte eu
perguntei em inglês:
- O que acha agora da saúde pública do Brasil?- ela havia me perguntado antes- Você pode dizer melhor que eu.
Responde a canadense:
- Acho normal. Tem o mínimo. E faltou um cobertorzinho,
estava muito frio lá dentro.