sábado, 20 de outubro de 2012

A plantinha carnívora parte II



 
  A melhor coisa era ir a praia, chegar logo ao Rio de Janeiro. Fomos os três. Em Ipanema tomamos mate com limão: eu, minha amiga gringa e meu namorado leitor de jornal. Muito sol e muito Brasil. Rodas de futebol se formaram uma ao lado da outra formando uma fila de rodinhas de futebol na beira mar. As cariocas dando ombradas, cabeçadas e matando a bola no peito. Eu disse a minha amiga que  também faço isso muito bem, que jogo desde pequena. Só não estava muito disposta naquela hora. Até parece...
  Empolgada e intrigada em ver mulheres e velhos jogando futebol, a canadense tirava fotos, filmava. Eu tomava sol e as vezes dava explicações esdrúxulas sobre nossa cultura. Chato era voltar ao hotel e lidar com a cara de safado do recepcionista.
 Quando chegamos os três para pedir um quarto, ele fez aquela cara e perguntou: “Um quarto, com uma cama de casal para três?”. Respondi: “Moço, queremos três camas! Ele é meu namorado e ela é minha amiga mesmo! Não é amante nossa não! Estamos viajando em três e só vamos ficar em um só quarto para economizar. Não é nada do que o senhor está pensando.”  Ele olhou pra cara do meu namorado, com a sobrancelha dizendo: “Sei...”. 
  O Rio de Janeiro está caro, não podíamos pagar dois quartos, era só isso. Mas ninguém daquele hotel parecia acreditar nisso. E nos olhávamos toda manhã na sala de desjejum como se fossemos Vicky, Cristina e Barcelona.
   Exaustos de sol, dormimos. Cada um em sua cama. Pensamos em sair a noite mas o cansaço foi maior. Dormimos mesmo. Lá pras duas da manhã, a canadense começa a delirar “Oh my God!, Oh no, no... no!”. Estava passando mal do estômago. No começo vomitou bastante, depois se contorcia de dor, e gemia alto na cama. “Oh! Oh, no... Wait a minute.... Yes... Yes!  Oh my God!” Acho que os “yes”era quando melhorava a dor, e os “nos”era pra quando piorava. Liguei para o melhor médico que eu conheço em São Paulo. Passei a situação, ele passou uma receita. Fui comprar o remédio. Chego na recepção com o saquinho da farmácia e recebo mais um olhar duvidoso do recepcionista. Ela tomou o remédio e conseguiu dormir. Havia de ser o mate com limão. Quando foi três da manhã começou o escândalo de novo. Ela sentia muita dor e gemia escandalosamente!  Já não mais vomitava, mas se contorcia de dor e gemia cada vez mais alto: “Please! Livia! Dont’leave me!” clamando por ajuda. Fui com ela ao hospital. No elevador trombamos a senhora que mudava de quarto e olhava feio. Mudava por causa do barulho? Ou da mente pervertida dela?
  Taxi amarelo.
- Senhor, minha amiga está passando mal – “Oh my God!”-  Calma amiga , já estamos indo.
- É gringa? Qual foi? Cachaça? – com sotaque carioca.
- Não senhor, é vegetariana e também não bebe álcool.
- Foi aquelas porra de bola que os gringo toma pra ficar doidão?- com muito sotaque carioca
- Senhor, pode nos levar ao hospital mais próximo, no caminho conversamos?
- E onde é o mais próximo?
- Vai me dizer que não é carioca? -  desci do taxi e avistei o recepcionista curioso na porta do hotel. - Aonde é o hospital mais próximo?- perguntei.
- O taxista não sabe?- também surpreso o recepcionista.
-Não.- ele explicou ao taxista aonde tinham dois. E depois perguntou-me:
- É exstasy?
- Não. Ela é vegetariana, não fuma nem usa drogas, foi o mate. Explico quando eu voltar. Até.
  No caminho comecei a rir e não pude explicar a minha amiga o por quê. É que no rádio do taxista, tocava uma rádio evangélica, e o locutor dizia: “Você, que está sozinha ouvindo este programa... seu marido foi comprar cigarros e nunca mais voltou. EnTão você o espera na janela todas as tardes...”  Pedi ao taxista que abaixasse ou desligasse o rádio, mas ele não o fez. Fiquei ouvindo o programa evangélico e a canadense gemer até chegar. Longe.
 No hospital o ar condicionado estava congelante. Abrir a porta do pronto socorro foi como abrir um freezer. Em seu habitat natural de gelo, a canadense pelo menos parou um pouco de gemer. Enquanto esperávamos e eu me resfriava, perguntei se podia pelo menos aumentar um pouquinho a temperatura. Não. Por causa dos germes cariocas. Eles morrem no frio, tem que ficar frio.
  A atendente me fazia perguntas que eu não sabia responder sobre minha amiga. Mas as respondi e fomos atendidas por um médico gatinho. Jovem, carioca, moreno. Foi logo perguntando se ela estava drogada, ou se era cachaça. Disse a ele que nós duas éramos vegetarianas, viajantes, livres, fazíamos yoga e perguntei o telefone dele. Mentira. Ele diagnosticou que ela era gringa e havia tomado mate na praia. Chamou de “mal estar do viajante”. Que iria passar, era só tomar água, mas estava desidratada e precisava de soro.
Pra tomar o soro foi um suplício. Dois litros! E logo voltamos para pedir alta ao médico gatinho. Estávamos maquiadas e mais coradas. Entramos na sala tinha um médico velho! Com sotaque capixaba. Devia ter uns mil anos. E diferente do outro, não diagnosticou o mal estar do viajante, mas um possível começo de úlcera que a acompanhava há tempos!  Receitou um monte de remédios pra tomar por um mês e mais outros que ela deveria tomar pelo resto da vida. Não poderia mais tomar café,  pediu uma biópsia do estômago e deu gratuitamente o tratamento com remédios, mais as guias para os exames.
  De volta ao hotel, eu estava feliz que no pronto socorro público minha amiga gringa havia sido bem atendida por dois médicos diferentes, num super ar condicionado e estava medicada,  saudável e corada. Ela não poderia falar mal da gente no Canadá, afinal deu tudo certo. Então no dia seguinte eu perguntei em inglês:
- O que acha agora da saúde pública do Brasil?- ela havia me perguntado antes- Você pode dizer melhor que eu.
Responde a canadense:
- Acho normal. Tem o mínimo. E faltou um cobertorzinho, estava muito frio lá dentro.

A Plantinha carnívora



 Ser vegetariano é chique. Pega bem. Diz a profecia Maia que no ano de 2012 mudaria o eixo  da Terra. Não sei muito bem o que isso significa. Mas parece que ao mudar a tal ordem mundial, tanto a moda, costumes, como as tendências mercadológicas, começariam a vir do oriente. O que já vem acontecendo desde os anos 60: a orientalização do ocidente. A China hoje não é só um gigante. É um tigre gigante! A China comanda a energia do mundo. Inclusive a nossa no Brasil.  Os chineses acabam de comprar as empresas de energia que eram dos espanhóis.   A energia passa de européia a oriental. Parece que foi em religiões orientais que a estória de vegetarianismo começou. Não é na India que a vaca é sagrada? Comem cachorrinhos por lá?
  Enfim, ser vegetariano por aqui, dá idéia de ser mais saudável, o que hoje é super  “cool”. O vegetariano deixa de ser, como dizem os budistas, um “fantasma faminto”, e torna-se uma pessoa mais leve. Que faz sexo tântrico, yoga. Que recicla, que é contra o sangue derramado em guerras.  Um sentimento “new hippie” para nós ocidentais.
  Bem... Uma grande amiga minha, gringa, diz que a partir de sei lá quando, virou vegetariana . Nunca tinha sido antes.  Desconfiei e respeitei. Ela estava convicta. De férias no Brasil, eu tive de eleger o lugar onde iríamos almoçar. Aonde? Liguei para um da lista do restaurant week da cidade, onde estávamos de viagem. Chamava Veg Villagio restaurante. Pelo nome imaginei que era veegan.
- Restaurante Veg Villagio, bom dia.
- Bom dia. Quero fazer uma reserva e preciso saber se vocês tem prato vegetariano.
- Temos sim.
- Perfeito. São três pessoas.
-Que horas?
- Daqui á 30, 40 minutos.
-Ok, feita sua reserva.
-Legal. Moça, pode me dizer como são os pratos vegetariano?
- Posso sim. Temos de todas as cores.
- Como assim?
- Que cor a senhora gosta?
-Que cor eu gosto?- vai que era um código veegan -  Olha...Não é pra mim. Eu como carne.
- Ah,nossas carnes são maravilhosas. Eu sugiro baby beef mal passado, com batata sautê.
-Minha amiga é vegetariana. Pergunto por ela. Aí tem carne?
-Não se preocupe,  temos frango e peixe, sua amiga gosta?
- Moça,minha amiga é vegetariana.
- Sim, sim, nós temos peixes vegetarianos.
- Peixes vegetarianos. E os pratos vegetarianos como são?
-Eles comem algas- disse ela me interrompendo.
-Quem come alga, o peixe? A minha amiga também.
- É mesmo? É que temos um aquário aqui no Vila Villagio cheio de peixes comedores de algas.
- E podemos comer o peixe do aquário?
-Sim, matamos ele na hora é só a senhora escolher.
- Moça, eu preciso saber como são os pratos ve-ge-ta-ri-a-nos, que significa que só vai  vegetais, nada de peixe, nem frango.
- Senhora, a Veg Villagio vende a comida e os pratos onde vai as comidas. Você come o prato, quer dizer, a comida que vem nele, e de quebra ganha o prato pra botar de enfeite na parede da sua casa.- ela falava de modo vacilante como que tentando se lembrar do texto mal decorado.
- Entendi. Os pratos são decorativos.
- Sim temos de todas as cores, vários temas, desenhos de peixe, frango e vegetais. Ah, e flores também. Ah! Oi , alô?
- Oi.- já cansada dela.
- Tem também aquele com uma moça com os seios de fora, corpo metade de peixe e com um abacaxi na cabeça. É o último.
-Certo- já quase desistindo- Mas como é a comida vegetariana que vai nesses pratos que são coloridos, decorativos e repleto de temas. A comida vegetariana. Como é?
- Não sei moça nunca experimentei. Mas é boa, eu acho.
- Ok, obrigada, deixa pra lá. Acho que minha amiga vegetariana não vai gostar de me ver escolhendo o peixe que vocês vão matar pra eu comer... Cancele a reserva.
  Enquanto isso minha amiga me pressionava para irmos embora! Dizia estar morrendo de fome e queria que eu encontrasse logo o raio do restaurante . Liguei para um outro da lista que se chamava “ A Vaca redentora”. Com esse nome pensei que podia ser de comida indiana. E lá deve ter a tal veegan, verde, ou seja lá o que for.
  Estava com muita fome a esta altura. Em vez de ligar fui direto. Descobri ser um rodízio. Sim, uma churrascaria tipicamente brasileira. Expliquei para minha amiga que todo rodízio brasileiro tem um buffet enorme de saladas. Mato não iria faltar. E que culturalmente seria legal ela conhecer um rodízio. Falei das plaquinhas que são como semáforos na mesa. “Sim” para mais carne e “não” para quando queremos dar um tempo. Isso só existe no Brasil! A fome, e um pouco de curiosidade, a fez concordar. Eu num lugar deste mais pareço uma planta carnívora.
 A planta carnívora fica parada esperando vir a mosquinha, que gruda nela e em seguida é ingerida pela planta. Eu na churrascaria, fico igualmente plantada, quieta  esperando o garçom trazer a carne, botar no meu prato e depois eu a vou ingerindo.
 Defendia durante o almoço o não fanatismo. Já fui vegetariana por um tempo, vampira por alguns meses, gente, eu mudo o tempo todo. Mas uma coisa nunca mudou em mim. Meu pavor por lesmas. Pavor mesmo. Medo profundo. E  no prato verde de minha amiga eu avistei uma. Caímos juntas para trás. Ela de nojo, eu de asco e pavor. O restaurante todo notou nosso horror. Neste dia o bicho morto e bem passado para “ao ponto” estava uma delícia, mas perdeu imediatamente o sabor, pois aterrorizante  foi  ver o bicho vivo e não comestível, ali, no prato e ao mesmo tempo no habitat natural dele o alface. Provando que o vegetarianismo e o tal do equilíbrio ser muito perigosos.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Crime desOrganizado



  Nunca me senti tão confusa para votar . E entender  o que diz o jornal. As notícias não batem. Incêndio em favela, ONU parabeniza São Paulo por melhorar habitação dos pobres. Foto de Maluf apoiando o PT, Russomano em terceiro lugar depois de estar o tempo todo em primeiro nas pesquisas. Além da última vez que eu fui assaltada.  Já me aconteceu muitas outras vezes. Mas arrastão em restaurante foi a primeira.
 Eu estava morrendo de fome. A comida pousou na mesa pelo garçom. Na hora que pego nos talheres, entrou um moleque. Depois outro e depois vários. Todos bem vestidos para assaltar. Estavam juntos, notei depois. Seria coincidência mais de um assaltante mesmo lugar? Imagine se um deles dissesse: “vai embora , cheguei primeiro!”. Uma quadrilha de festa junina. Fiquei com medo que levassem minha refeição. Não anunciaram o assalto como nos filmes, foram fazendo aos poucos. Roubando cada mesa, as vezes a mesma, e apavorando geral, com frases e palavrões típicos e sotaque paulistano da nossa periferia. Eram meninos.
  Não pareciam ter experiência no ramo em que estavam. Quase lhes dei meu cartão para que me ligasse a fim de eu fazer uma consultoria. Para que no próximo assalto se desenvolvessem melhor. Nem sequer tinham sacos para botar o material roubado dentro! O carro eles tinham e saíram cantando pneu. Óbvio que assim seriam encontrados! Um dos baby assaltantes não sabia se roubava ou não o whisky do bar. Talvez não soubesse se caberia ou não no carro, ficou indeciso, como os eleitores de São Paulo. Olhou a estante do bar, pegou um. Devolveu. Pegou de novo e acabou levando algumas garrafas de bebida.  Devia ser o alcólatra da turma.

 Desconfio que eram atores contratados por partidos políticos que disputavam a prefeitura da cidade. Era semana de eleição e eram amadores demais. Apoiados pelo atual governo, receberam um cachet para fazer aquilo. Uma estratégia de marketing.  Nós vítimas diríamos em nossos blogs e facebooks que a polícia funciona.  Pois nossos pertences foram encontrados um dia depois.
 Eu não ligo que a polícia funciona. Queria uma política que evitasse que esses meninos passassem  aquele papelão atrapalhando meu jantar e de quebra botando minha vida e a deles em risco. Eles deviam estar jogando capoeira, aprendendo inglês, estar de aprendiz de algum ofício, namorando. Estavam na puberdade!  Acabada a ação deles, sem meus pertences, eu comecei a comer. Em volta as damas se abanavam, suspiravam de medo e aguardavam a polícia ( e seus maridos, pois pra mim era tudo charme) salvá-las. Eu ainda ganhei o jantar de graça! Não precisei pagar! Ganhei uma crônica prontinha. Eu devia ter pedido mais comida, eu sabia, tive esse “feeling”. Levei o restante pra viagem.
O que será que queriam fazer com aqueles I-phones todos, se são bloqueados pela Apple? A delegada que fez meu B.O. disse que os assaltantes tem um vigoroso sistema que desbloqueia. Quando fui buscar meu celular na delegacia, eu tinha esperança de que já tivessem  conseguido desbloquear o meu. É que a minha operadora o havia bloqueado por falta de pagamento. Na verdade por falta de receberem meu recibo.
 Como atriz meu sonho sempre foi ser aquelas mulheres de bandidos. Que sabem atirar, que sabem enganar e também sabem ser muito chiques, tipo a Júlia Roberts em “Onze homens e um segredo”. Ladra famosa. Casal de golpistas que vai a cassinos e reuniões com banqueiros e acionistas. Não era o caso de nenhum deles. Mas claro, devo admitir que se deve ter coragem para fazer aquilo. Deve dar um frio na barriga danado. Fico pensando se fizeram aquilo por necessidade ou por emoção. É uma adrenalina que nem saltando de avião em queda livre se consegue. E se tivesse sido completado, mais ainda.  Falando em completar meu celular não completa chamadas. Eles esqueceram, ou não tiveram tempo de desbloquear.