segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Vá embora da Kilt! Pra onde?



Para puta que lhe pariu. Peço perdão ao leitor pela frase de início desta crônica. Sei que parece extremamente ofensiva. Porém façamos um exercício. Imaginemos que puta é uma profissão respeitável como qualquer outra. Deste modo o diálogo abaixo não refere mais ofensa:
 - Onde você vai passar o dia das mães?
-Pois é, eu vou pra puta que me pariu, claro. Tô com uma saudade daquela puta velha, minha mãezinha querida. Mora lá no centro de Surubim. - Normal. Sem crise. Dia das mães pra filho de puta é tranqüilo. Já no dia dos pais o sujeito fica mais perdido que cego em tiroteio. Em nossa sociedade, maioria católica, um filho de puta é automaticamente um coitado. Pois não foi batizado, nem crismado ou apadrinhado. Bastou um coito não interrompido e temos um coitado. Que nem sempre é tadinho. Mas para os católicos, o fato de os pais não terem se casado, faz dele, do pobre coitado, um tadinho. Que é abreviação de “coitadinho”. Pois puta quase nunca é rica. Mas católica?
  Penso que todos nós somos coitados, afinal, somos todos produto de coitos não interrompidos. O que não significa que, pobres ou não, sejamos mais bem resolvidos com nossas mães do que os filhos destas profissionais. Quem botou isso em nossas cabeças, foram as beatas. Como a velha rabugenta Maria Dorotéia de “Gabriela, cravo e canela” – de Jorge Amado atualmente em seriado de TV.
  Na Roma antiga, ser puta no palácio era uma das melhores coisas. Antes puta que atriz das peças dirigidas por Calígula, imperador romano promíscuo. Mesmo que não fosse escrava, as plebéias candidatas a puta, podiam deste modo, mudar de classe social. Tornariam- se cônjuges. Esta possibilidade existe até hoje. A de um cliente desposar a moça. Eu mesma conheço casal de ex-puta com homem de direito. Eles tem filhos e são tão felizes e complexos como os casais de arquiteto com engenheira.
  As profissionais do entretenimento adulto deveriam ser mais respeitadas. Afinal existem há muito mais tempo que políticos corruptos ou capitães de navio. Aliás, o que se refere a elas (sexo, putaria) não é tão feio de dizer como as rebuscadas palavras usadas no julgamento do Mensalão por exemplo. Onde com muitíssima classe se fala de atos verdadeiramente baixos e odiosos. Que profundamente afetam a vida, a saúde, o futuro, a educação de todos nós. Enfim.
  Tudo isso pra dizer que a Kilt Shows Club, casa de shows da Praça Roosevelt, fechou. Aquela cuja arquitetura é um castelinho medieval. O maior medo dos culturetes da região, é que vire uma igreja evangélica, já que o dinheiro de Jesus tem comprado a cidade inteira. Mas parece que a venda, foi para ampliar o espaço cultural do teatro Cultura Artística, que fica ao lado. Tenho muita curiosidade de saber como é a arrecadação de impostos de um puteiro (casa de shows) e de uma igreja evangélica (casa de Deus gerida por um pastor), mas não sei.
Quando criança eu achava que a Kilt era (e não deixa de ser) um parquinho temático. Um pouquinho mais velha, no teatro Cultura Artística, meu pai me disse que a Kilt Show era um teatro. Também não deixa de ser.
  Bar-mans, garçons, taxistas, seguranças, e claro, as estrelas da Kilt. Estão todos desempregados. Preocupada com o desnorteamento das meninas, pois são marginalizadas a custo de pura ignorância social, venho por meio deste texto, pensar em solução, para que as meninas não deixem de trabalhar. Parto do princípio de que é puta quem quer. Uma escolha.  Muito mais cruel é ser o cara da carrocinha, que captura os cachorrinhos abandonados para transformá-los em sabão.
  Humildes idéias, talvez possam funcionar.
 Quanto aos gringos, meninas, não se preocupem. Não é só na Kilt que tem. Em breve o país estará repleto deles por todos os cantos.  Não haverá Vikings de cêra subindo pela parede e no telhado do castelo . Mas com Olimpíadas e Copa do Mundo, vai ter gringo saindo pelo ladrão. Quanto a palcos, e Pole dancing,  é uma questão de pesquisa. Deve haver muitos pela cidade.
 Porém minha maior sugestão é: façam um blog! A internet é o futuro! Encontre um bom fotógrafo e alimente seu blog com fotos, frases, suas habilidades, sua experiência, de modo a impressionar e conquistar clientes. Trabalhe na divulgação, produzindo material gráfico e eletrônico. Trabalhando para si própria, vai economizar a grana da porcentagem do cafetão. Fora não ter mais que agüentar o mau humor deles.
   Aprenda inglês. Isso pode inclusive alterar sua tabela de preços. Para gemer em inglês você pode cobrar mais caro. Invista nos diferenciais.
 Faça parcerias com motéis. Academias, clínicas de estética. Nunca desfaça seu plano de saúde para manter seu produto sempre fresquinho e saudável. E acima de tudo: mantenha-se informada. Leia o caderno de negócios. Diz que se há sorte nos negócios, não há sorte no amor, está aí uma oportunidade de prospectar novos clientes. Geralmente os executivos fazem pose de braço cruzado ou mãos no bolso nas fotos de jornal. As mãos escondidas impedem de saber se ele é casado ou não. Mas não impede de avaliar seu plano de ataque. Leia a matéria até o final. Não se intimide! Dê um Google no nome do empresário em ascensão, e mande por email uma apresentação de sua empresa e de seus serviços. Além de cliente, avalie o potencial de, se solteiro, ser um futuro marido. Por que não? Neste caso contrate um analista. Para evitar tornar-se uma madame Yoki.
  Por fim, negociem a saída da Kilt. Não sei como funciona o FGTS, rescisão e seguro desemprego  com eles, mas negocie bem, para poder investir no seu Blog ou em qualquer outro negócio futuro.
Espero de coração ter contribuído com essa humilde consultoria, de breve avaliação da situação desempregacional das meninas. Boa sorte meninas! E bom trabalho.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

“O telefone tocou novamente, fui atender, e não era o meu amor! Será que ela ainda está muito zangada comigo? Que pena, que pena…”





   Eu estava sentada no chão do Sesc Vila Mariana lendo Mafalda. Fui lá atrás desta exposição de quadrinhos. Tinha Calvin e Snoopy também.  Cheguei achando que haveria quadros expostos, com a história destes personagens e seus criadores. Nada disso. Só uma mesa com os gibis e livros de quadrinhos para ler. Ok! Sentei-me ao chão e escolhi um. Lendo uma historinha da Mafalda, que se passa nos anos sessenta, tocava o telefone, dentro da história. No mesmo instante, tocou um telefone na área da exposição também.  E o som que tocou na sala era justamente de telefone antigo.  
  
  Existe todo tipo de toques de telefone possíveis e imagináveis. Tem gente que grava a voz com o nome da pessoa e quando ela liga, ouve-se a voz do indivíduo: “Oi fulano  atende o telefone, preciso falar com você”.  Mães malucas colocam o choro de seus bebês pra quando liga a babá da criança. Namorados grudentos gravam a voz da namorada dizendo: ”Amorequinhooo!  Atende vai, sua chuchuquinha quer falar com você.” Um outro muito comum é escolher o tema  do Dart Vader de “Guerra nas Estrelas” para quando liga o chefe. Um funk carioca bem sujo quando liga uma periguete e assim por diante.  Com a invenção da bina a ansiedade que demonstra o trecho da música que abre esta crônica tornou-se inviável. Sempre sabemos quem é quando toca o telefone.  No entanto também sabemos que a pessoa sabe que ligamos. Pois ela também tem bina. Há aplicativos do I-phone que é possível saber que a pessoa recebeu, e a que horas leu a sua mensagem. Ou seja não se fica mais ansioso se leu ou não . A ansiedade tornou-se: por que diabos ainda não respondeu?
  
  Todavia nós paulistanos temos experimentado a sensação de não saber quem está  ligando. Muita gente perdeu os contatos em seus telefones desde a mudança da Anatel de botar o número 9 na frente de todos os números de telefone de celular. O número permanece o mesmo, porém com um “9” na frente. O que causou a desprogramação da bina. O que causou desconforto a uma população acostumada a sempre saber quem está ligando. O telefone toca na festa, maior barulho, vem a tentação: atender ou não?  Quem será? O que vai pensar? O que vou dizer a esta pessoa qiue liga e não sei quem é?! Há tempos não se sentia mais essa dúvida.
 Eu adoro atender o orelhão quando ele toca.  Acho genial falar com a pessoa desconhecida no outro lado da linha. Triiiiimm!
- Alô?
- Olá, quem fala?
- Alguém na avenida Paulista num telefone fantasiado de massa encefálica.
- Como você chama?
- Sirleide, pra você. – tinha lido o nome e telefone da travesti, grudado no aparelho telefônico público.
- Ah, tá. Tudo bem Sirleide?
-Tudo.
- Tá muito trânsito aí na Paulista?
- Deixa eu dar uma olhadinha. Olha, sentido Paraíso tá meio travado, o consolo é o sentido Consolação que tá fluindo melhor.
- Tá. Entendi. Então o Zé já deve ter chegado no trabalho. Você pode chamar ele pra mim Sirleide?
  - Chamar quem? O Zé?
- É. Ele tá trabalhando, fala que é rapidinho, preciso dar um recado a ele, sou a mulher dele.
-Mas aonde ele trabalha?
- Aí na Paulista?
- Ah vá?
- Na banca de jornal na frente do prédio do Sesi, Fiesp não sei direito , é aquele prédio que parece um triângulo de lado.
- Hummm... É meu caminho, vou passar por ali agora. Pode deixar que eu aviso “seu” Zé. É pra ele vir aqui atender?
-Isso. Eu espero.
- Ok, sem problemas.
- Muito obrigada Sirleide! Você é uma graça!
-De nada.  Dona?
- Maria. Mulher do Zé.
- Maria mulher do Zé, nada mais justo. Bom dia pra senhora, vou lá avisar seu marido. E olhe, se vier pra cá traz guarda-chuva que tá vindo umas nuvens lá dos lados do centro pra cá, viu? Adeus.
  
  Estão revitalizando os telefones públicos do país. Estou amando a idéia. Deve ser para consigam se comunicar o montão de gringos que virão pra cá na Copa e nas Olimpíadas.  Imagine se um gringo precisar ligar do orelhão para alguém? Vai precisar de um limpo. Agora estão limpos e decorados.  A cidade está cheia orelhões artísticos. E você ainda continua tendo a opção de contratar um artista travesti, caso queira. Tem lá a propaganda deles com os telefones de contato direto. Não é disk-sexo. É o telefone pessoal deles (ou delas) mesmo.
  
  Tem-se hoje em dia, no mínimo um celular por pessoa. Porém para aproveitar as promoções das operadoras, muita gente tem mais de um. Um pra cada operadora. Pergunta-se o telefone da pessoa em seguida qual é a operadora dela. A Anatel proibiu a venda de novos chips e celulares de todas as operadores de celular do país. Decisão tomada pelo fato de elas prometerem tudo e não cumprirem o mínimo: sinal telefônico!
  
  No Brasil se pode fazer chamadas a cobrar! É o único lugar do mundo, acho. Ainda não soube de nenhum outro lugar que exista esta opção.  A gravação diz: “Chamada a cobrar: continue na linha após a identificação.” Aí você aceita, porque a gravação mandou. Assim você fala com o desprovido de recursos (grana, crédito, etc) para ligar.  O desprovido que precisou fazer a chamada a cobrar, por sua vez escuta: “Chamada a cobrar: diga seu nome e a cidade de onde está falando!”.  Livia Prestes, São Paulo –SP Brasil!  Subtexto: não desligue, por favor, sou pobre mas é importante! Preciso falar!
  
  O telefone fixo caiu praticamente em desuso. Mas curiosamente é utilizado para as ligações de 0800, somente. Não entendo o por quê disso, mas só é possível realizar uma ligação gratuita, que comece a 0800, de casa. Do telefone fixo. Por que? Não faço idéia, mas do celular, a ligação nem sequer é completada.
   E para quê ligar para um 0800? Ou qualquer número de informações, telemarketing, cadastro, serviços. Olha, este drama infelizmente faz parte da vida de todos nós. Uma hora ou outra você vai ter ligar nesses serviços para resolver algum pepino. Faça um alongamento antes, tome um pouco de água com açúcar já pra garantir, faça uma oração de paz e paciência e boa sorte. Ligue. Ela vai atender. Vai botar uma musiquinha para que você aguarde sua vez.  O atendimento vai começar eletrônico. Você vai discar vários códigos no intuito de adiantar a explicação do seu problema.  Enfim atenderá uma operadora de telemarketing treinada para te acalmar e te ajudar a resolver o problema. Ela confirmará todos os seus dados que você já havia digitado antes no atendimento eletrônico. Vai recitar um texto decorado, dizer o nome dela e em que ela pode ajudar?  Tenho a impressão de que todas elas estão lixando as unhas enquanto falam comigo.  Ela dirá: “Senhora? Senhora!”. Mil vezes.  Depois de você explicar seu problema pelo menos umas três ou quatro vezes para que ela entenda. Então ela vai dizer: “Não se preocupe senhora, vou estar passando a sua ligação para um outro departamento, onde a senhora estará falando com uma outra atendente, que estará resolvendo tudinho pra senhora, que estará ficando feliz e satisfeita, para depois a senhora estar participando da nossa pesquisa de qualidade de atendimento, tudo bem senhora? A senhora entendeu?”. “Sim senhora.” respondo.  Musiquinha de espera de novo.
  
  Hoje em dia as pessoa não pedem mais telefone para paquerar. Pedem o “face”.  Assim já realizam uma pequena pesquisa sobre a pessoa antes. Não é preciso conversar. Em vez de acreditar nas mentiras que a pessoa diz, você se arrisca acreditando nas mentiras que a pessoa posta no “face”. No espetáculo de Improvisação que  estou fazendo, quase toda noite a platéia dá facebook, conexão na internet e telefone, de tema.  No início do século passado, comemoravam o encurtamento de distâncias e as novas facilidades de comunicação.  No início deste está acontecendo a mesma revolução.  São tantas as novidades para se comunicar. Tantas as promoções, está mais fácil viajar. Me pergunto se essas tecnologias todas aproximam ou afastam mais ainda as pessoas. 
  
  Antigamente, na época da Mafalda, os pais iam ao cinema e deixavam o telefone da bilheteria com a criança, ou a babá.  Caso acontecesse alguma coisa, haveria primeiro de se falar com a bilheteira, que deste modo, saberia o nome do filho do casal, conheceria a família deles. A bilheteira encontraria o senhor e senhora X no cinema, e passaria a ligação a eles.  Para poder falar com os pais, o filho teve de ser educado e comunicativo com a bilheteira. Explicou pra ela a situação. Depois de falarem com o filho pelo telefone do cinema, os pais agradeceriam a bilheteira antes de ir embora. Outros tempos. Tinha-se um telefone por restaurante, um por boteco, um aparelho para  o povo de um cinema inteiro.  Hoje pede-se pelo amor de Deus para desligarem os celulares antes do filme e mesmo assim ninguém consegue. Novos tempos.



sábado, 4 de agosto de 2012

O carro na frente dos bois




  Estava atravessando na faixa de pedestres, o sinal estava verde para mim. Havia uma outra pessoa na minha frente, que fazia o mesmo: atravessava.  A mulher que dirigia, tinha os cabelos loiros e bem curtos.  Um nariz empinado, olhos verdes, um blazer bem bonito. Um brincão gigante na orelha e um carrão grande, alto e branco. A postura (e figurino) em que dirigia lhe parecia estar num filme de ação ou ficção científica. No entanto ela esperou para que o pedestre passasse no maior drama! Com aquele farol alto aceso forte na nossa cara e uma cara de brava e apressada.  Como se ela fosse uma super executiva, mega importante, e nós reles infortúnios, ousávamos estar em seu caminho. Ela suspirou fundo e passou acelerando na minha frente, como se tivesse feito um grande favor ao pedestre em parar pra ele passar. E me ignorar. Um reles pedestre, ok, mas esperar passarem dois, já estaríamos abusando da sua paciência. Ela deve ter pensado: “cidadania tem limite!”. Como se ela fosse melhor ou mais importante por causa daquele enorme carrão. Carrão. Tem uma estação de metrô e um bairro paulistano com esse nome. Uma homenagem profética?
Poucos carros são simpáticos. Poucos motoristas também.

   Na esquina seguinte, um outro carro, que estava na esquerda, deu seta intencionando  ir para direita, para fazer uma curva. Deram passagem a ele.  Mas buzinaram tanto para este homem.  Mas tanto.  Eu entendo que na cabeça de seus opressores, ele devia ter mantido a preferencial já que desejava fazer a tal curva. Mas gente, buzinaram, xingaram e saíram cantando pneu! É muito agressiva a tonalidade das buzinas dos carros. Você sai triste, ofendido, se sentindo um idiota. Ou é só muito pentelha mesmo. Na maioria da vezes uma buzinada é pior que um xingamento!  Deveriam inventar uma buzina mais amigável? Que igualmente chamasse a atenção, mas que não fosse tão alta, imponente, poluidora, imperativa. Talvez uma musiquinha mais suave?

   O trânsito de São Paulo parece uma selva.  Agora com o fim das férias, se iniciará o que eu chamo de o próprio inferno. Uma selva de carros pretos e prata, sem fim.  Por que será que não há carros cor de rosa? Amarelo com bolinhas? Ou cores mais leves relaxantes, tipo um verdinho d’agua. De vez em quando aparece um vermelho. No momento “a cara do verão” são os carros brancos, altos e grandes. Tem um ar de serem mais caros e não são confundidos com os taxis de Sampa porque são de design imponente, que os diferencia.  São tão altos, e com rodas enormes, feito as de tratores. Parecem projetados para passarem em cima de qualquer coisa. Ou qualquer pessoa.  Eu duvido que quem comprou este carro tenha feito rally na vida ou uma trilha sequer. Foi comprado com o intuito de assustar mesmo. Um investimento? Um “up”no social de seu dono. Muito mais que somente um automóvel.

  O design destes carros é pensado para impor, assustar. Compare as lanternas a dois olhos humanos.  Parecem muito a um par de olhos nervosos! Sanguinários! Quase os “transformers” do cinema. Já repararam a voz dos locutores nos comerciais de carro? Aquela voz de demolidor! Superior. “O melhor e mais robusto da categoria.”  E que categoria.
  Gente, carro é só um objeto de locomoção, poxa! Objeto que seduz por aumentar a velocidade na liberdade de ir e vir, da qual prezamos tanto.  Porém, ao ser escravo do trânsito, automaticamente se perde essa liberdade.

 Não coloquemos o carro na frente dos bois, quando o boi é o mais importante.
Me sinto muitas vezes culpada de usar carro sozinha, sobram quatro lugares vagos! Antiecológico. Quanto pesa um só carro? Quanto gasta para  levar somente a mim que peso 60 quilinhos?  Me aflige ver tanto espaço inutilizado. Poderia levar uma família inteira guaxinins para passear. E mais quilos de castanhas no porta-malas. Poderia levar alguém ao trabalho, aliviando os ônibus lotados. Talvez alguém muito legal na rua esteja indo na mesma direção que eu e poderia estar vindo comigo, ouvindo o mesmo programa de rádio, dando umas opiniões. Despoluindo o planeta, e ainda, se não se enjoasse em movimento, lendo o jornal para mim.
  
  Tanto trânsito enfileirado. A locutora disse na rádio:  “as férias em São Paulo estão dando um sossego danado pra nós paulistanos. Neste momento a CET registra somente 48 kilometros de lentidão, um recorde de tranqüilidade que há tempos não tínhamos!”. Parece piada , eu sei, mas ela disse isso com a maior alegria.   Como quem diz : “saiam de carro a cidade está livre!”. Gente , 48 kilômetros é a costa inteira da Eslovênia! Não se preocupem , com a volta as aulas voltaremos a fazer a marca de engarrafamento do tamanho da costa do Brasil. Desisto de ter filhos só de pensar nas filas de carro na porta das escolas. Queria poder levá-lo a pé. Eu acho que chique mesmo, seria viver perto de casa e ir ao trabalho a pé.  Agora que o IPI baixou mais ainda, as pessoas estão comprando carros que combinem com o visual da estação.

   Imagine se as cores dos carros fossem divididas por profissão, saberíamos quem são essas tantas pessoas que vão se afileirar sozinhas em suas naves hermeticamente projetadas para a solidão. Por que tudo preto e prata? Por que é mais fácil de vender depois. Cor neutra. Acinzenta mais ainda a cidade.

  Calma, eu acho carro uma ótima invenção. Uma das melhores versões da roda.  Difícil é entender o significado que dão a ele. Para trabalhar todos os dias em uma cidade grande não seria melhor investir em transporte coletivo? Usaria-se o carro no final de semana, pra sair da cidade, fazer compras grandes, mas todo dia?  Usar carro todo dia, para tudo, é um costume muito nada a ver. Por que não adaptar a cidade a outras versões da roda como a bicicleta, o patinete, os patins, o triciclo, o carrinho de rolimã para as ladeiras.

  O prefeito Kassab aprovou projeto que transformará o subterrâneo do centro da cidade, ali em toda região da praça da Sé, num mega estacionamento gigantão. Das cidades que eu conheci as que usam transporte coletivo e investem cada ano mais neles, são as mais chiques.  Acho péssimo esse louvor exagerado ao ter seu “carro próprio”, que diabos isso significa? Já que amamos tanto carro assim, poderíamos dar e pegar mais carona.  Andar de taxi, bonde, aerotrem. Reparar nos acontecimentos, no movimento, talvez ler alguma coisa no banco de trás e ter uma boa idéia. Dirigir não possibilita a riqueza que é poder ir a pé, ou de transporte público. Bem mais chique. Mais enriquecedor, mil vezes mais que atropelar tudo e todos, sozinho ouvindo som alto, se escondendo da CET pra atender o celular. Vence o mais alto, mais bravo e mais barulhento. É uma nervosa, rápida e ao mesmo tempo lenta competição!  Em época de olimpíadas: que vença o maior? Mais caro e mais antipático!