Desde cedo já havia
começado a preparação do que seria mais tarde a comemoração do título inédito
do Corinthians. Fazia tempo que não via a cidade assim. Bandeiras sobre os
carros, nas janelas, nas costas de pedestres. Cornetas, vuvulzelas. Motoqueiros
com capa de super herói com o símbolo do time. Que é um timão. Com uma âncora e
dois remos atrás. Timão é o nome dado a roda ou volante com que se manobra o leme do navio. E também é o
aumentativo de time. E é o símbolo do time Corinthians. Só mais uma curiosidade: a pronúncia de
“menininhas” em grego é “corinthias”. Mas quase ninguém sabe disso, e bambi,
torcida de menininhas, acabou sendo fama que ficou para um outro time
paulistano. Vai entender.
Muita gente de camisa
oficial, faxinha na cabeça andando pela rua. Me lembrou nos anos 90 quando o
São Paulo ganhava um monte de campeonatos, e eu sãopaulina, estava no lugar
deles hoje. No rádio um torcedor diz “hoje é um daqueles dias que você não vê a
hora de passar e quando chegar a noite não quer que acabe nunca mais”. Ele
estava certo. Realmente demorou pra acabar.
Fico pensando que
piadas vamos fazer contra o Corinthians agora, já que a principal que mais os
irritava, não terá mais efeito. Eu adorava perguntar: “Você sabe oque faz um
corinthiano depois de ganhar a Libertadores?”. Resposta: “Ele desliga o
play-station e vai dormir”. Na realidade
transformaram o dia seguinte de Campeões em feriado!
Três da manhã e ainda ouvia-se os berros, os gritos
masculinos e femininos, as buzinas. Quatro e meia e ainda tem fogos de
artifício explodindo. Olho no rádio
relógio na escuridão do quarto e são seis da manhã e em coro escuto “timão êo”.
Era a feira sendo montada na rua de trás de casa. Quando achei que as seis,
conseguiria dormir, descubro que os feirantes são todos corinthianos e
começaram a soltar mais rojões logo cedinho. E cantaram mais um pouquinho antes
de começar a trabalhar.
Claro pela manhã, as
dez, lendo o jornal, se vê a quantidade de casos violentos gerados pela alegria
corinthiana. Violência, atropelamentos, embriaguês. Mas eu não posso deixar de observar o quanto a
alegria propriamente dita de todos que
estão felizes com o título é positiva. Super positiva, uma energia muito alta!
Aquele estádio lotado vibrando em conjunto por uma vitória. Dois milhões de
pessoas muito felizes! Uma prova disso é o segundo gol. Creio que aquele gol foi da torcida. Forte e firme
como estava desestabilizou o jogador do Boca que possibilitou que fosse
realizado o segundo gol do Corinthians Oque
eu quero dizer é que algum inglês inventou o futebol. E pensou em tudo. A base
era: botar vinte e dois caras pra correr atrás da esfera de couro e se
organizarem juntos para dominá-la. Quase um treinamento de guerra. Uma forma
pacificista de guerrear. E creio ter sido criado por bons motivos, mesmo que o
inglês em questão nem tenha percebido.
O rugby é bem mais
violento. A primeira vez que eu fui a um jogo de rugby, no Chile, me lembro de
ter ficado muito impressionada. A torcida era completamente diferente. Tinha
mulheres com luvas de couro e chapéu. De pernas cruzadas e cara blazet. Quando
tinha gol, elas se levantavam aplaudiam e sentavam de pernas cruzadas de novo.
Os homens, como sempre, eram um pouco mais enérgicos, mas nada comparada a
torcida do timão (apelido do Corinthians) no futebol. Ouvi de um jogador: “o
rugby é um jogo rude, jogado por homens cavalheiros. E o futebol é um jogo de
cavalheiros jogado por homens rudes.” Concordei na hora, pois no rugby você
pode esfregar a cara do indivíduo no barro e não será falta, e eles
impressionantemente naquela brutalidade toda, não se machucam como no futebol
onde não vale o toque que não seja dos pés na bola!
Mas é impressionante
a movimentação energética que acontece nos jogos. Este ano teremos olimpíadas,
gostaria de saber se diminui a violência do mundo nesta época, sem contar a da
imprudência do exacerbo da alegria gerada do esporte.
Estou fazendo
espetáculo de improvisação no teatro, e soube que em alguns países o improviso
é considerado um esporte. No esporte as pessoas não esperam acabar o espetáculo
para aplaudir, elas vibram durante toda a execução do mesmo.
Uma vez um colega de
teatro convocou seu grupo de atores para ir até a Avenida Paulista fazer um
intervenção teatral. Eram dias insuportáveis de quente em São Paulo. Os
executivos continuavam a se vestir com paletós e gravatas. E a sair para
almoçar ao meio dia, quando o sol estava a pino. Muito quente mesmo, estava
fazendo quase quarenta graus em clima seco.
Os atores então se vestiram em trajes de banho: biquínis, sungas,
chinelos. Munidos de raquetes de frescobol, guarda-sol , e tudo mais que
remetia ao que aquele clima propunha: praia.
Eles sugeriam que os passantes de uma Avenida Paulista ao meio dia ,
lotada, passassem protetor solar, usassem borrifador de água no rosto, jogassem
um voleibol ou deitassem um pouco com alguns deles nas cangas estendidas
debaixo do guarda-sol, na ilha, em frente ao MASP. O vendedor de sorvete ficou
por ali mesmo, compondo a cena realística. Foi o tipo da coisa que além de
atrair todos os jornais, como fazem os esportes, simplesmente mudou brutalmente
a energia cotidiana daquela Av. Paulista naquele horário. Como fez a final da Copa Libertadores com a cidade inteira este ano. Outra intervenção que este grupo de teatro
quis fazer, foi “O Ano-Novo no meio do
ano” na Paulista. Todos de branco, e após a contagem de 10 à 0 gritar “Feliz
Ano Novo!!” bem alto e com veemência! E
em seguida abraçar a todos, brindar e desejar muita saúde, felicidade, prosperidade,
e todas essas coisas que se desejam um ao outro na passagem de ano. O grupo
quis provar que a manipulação de energia acontece, transforma o espaço e tem
efeito incrível.
Pensei que baseado
nisso tudo, podíamos criar uma Copa
Libertadores Genérica! Se utilizar dessa paixão, dessa mobilização pra
conseguir outras coisas, tão importantes ou mais que chegar ao Mundial em
Tóquio. Como acabar com a corrupção por exemplo. Tomar decisões através de
jogos . Haveria as torcidas a favor de
idéias que são a favor, ou contra. Imagine como seria um jogo de futebol que
decidisse se é necessário cotas para negros nas universidades ou não. Se
Demóstenes Torres deve ou não ser preso em vez de cassado. Imagino o tanto de
bicheiros e donos de cassinos na torcida.
Se é mesmo necessário usar paletó num calor de quarenta graus. Seria a
torcida organizada mais chique de todas, com estilistas do mundo inteiro querendo
decidir os modos de vestir com formalidade!
Teria um desfile do vencedor. Ok,
fui longe demais. Fazer oque, fiquei
pensando essas coisas! Afinal não podia dormir. A energia, os gritos, e os
rojões não deixavam, tive que pensar em alguma coisa. Um jogo de tenis onde se
decida o segundo turno de uma presidência de república! Claro, seria após
votações. E ainda depois, iríamos para o teatro encenar as formas, caminhos e
cores de governo. Acho que nesse caso as torcidas se mesclariam. Como os políticos
fazem, se odeiam ontem, se apoiam hoje. Que venham as olimpíadas! E salve o São
Paulo Futebol Clube!